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A CARTA

É uma bela mesa de madeira antiga, com gavetas e puxadores de argola. Nela escreveu, letras recém-aprendidas, as primeiras palavras e frases. A mesa foi campo de épicas batalhas de futebol de botão, com goleiros feitos de caixa de fósforo enrolada com fita isolante preta. Ali pousaram livros de estudo e romances com histórias sem fim. Leva a marca do tempo em arranhões, amassados, manchas de copos. Essa madeira abraça  sua vida. Hoje não é diferente. Na gaveta da esquerda está a carta, em meio a uma barafunda de clips, borracha, canetas e cabos de computador. Consiste em três folhas de papel sujas de tinta. Mas “a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais”, lembra Paulinho da Viola. É uma carta de amor. Como se o amor pudesse ser capturado em palavras. Pode, ao menos, ser lembrado, afirmado, há até quem tente explicá-lo. Os papéis na gaveta não tentam fazer nada disso. São a forma de um amor proibido continuar existindo. É uma carta que não será entregue. Vagará para sempre no universo dos amores perdidos, feito um meteoro sem nome e sem destino.

Mesmo assim, é uma carta de amor.