/Cicourel faz algumas observações práticas e teóricas sobre o trabalho de campo

Cicourel faz algumas observações práticas e teóricas sobre o trabalho de campo

88 Quando trabalhamos em nossa própria sociedade, exploramos nosso repertório de experiências pessoais:

“O sociólogo que limita o seu trabalho à sua sociedade está constantemente explorando o seu fundo de experiências pessoais como base de conhecimento. Ao fazer entrevistas estruturadas, utiliza o seu conhecimento de significados conseguidos através da participação na ordem social que está estudando. Terá um mínimo de sucesso garantido na comunicação pelo simples fato de que lida com a mesma linguagem e com o mesmo sistema simbólico dos seus entrevistados.”

89 Importância de ter contato com os líderes:

“Ao se realizar investigações em comunidades modernas ou em organizações industriais, descobriu-se que é oportuno, e algumas vezes até essencial, fazer os contatos iniciais com as pessoas que controlam a comunidade. Estas pessoas podem ser homem (sic) com status na hierarquia do poder ou pessoas em posições informais que impõem respeito. O apoio delas ao projeto pode ser crucial, e eles podem ser úteis para se fazer outros contatos. Esse procedimento aplica-se igualmente à sociedade não-ocidental.”

89 É importante convencer as pessoas que não iremos fazer-lhes mal algum:

Paul [Benjamin D.Paul, “Interview techniques and field relationships”, In: KROEBER,A. L. et al. Anthropology Today, University of Chicago Press, Chicago, 1953, p.431] chama a atenção para a importância de se convencer as pessoas estudadas de que o pesquisador não lhes fará nenhum mal. Essas pessoas podem ser membros de uma tribo distante bem como do quadro de funcionários de uma organização industrial.”

89 “O pesquisador deverá também evitar o problema de desconsiderar alguma figura potencialmente importante pelo fato de não contatá-lo para pedir sua ajuda. Como sugere Paul, isso pode levar à produção de boatos pelas partes ofendidas e causar grandes dificuldades ao pesquisador.”

89 Encontrar um papel no grupo a ser estudado:

Paul: “Em parte o pesquisador de campo define o seu próprio papel, em parte o seu papel é definido pela situação e pela perspectiva dos nativos. A sua estratégia é a de quem participa de um jogo. Ele não pode predizer as jogadas precisas que o outro lado vai fazer, mas pode antecipá-las da melhor maneira possível e fazer suas jogadas de acordo.”

89 Definição de observação participante:

“Para nossos fins, definimos observação participante como um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face-a-face com os observados e, ao participar da vida deles no seu cenário natural, colhe dados. Assim, o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto”

In: Morris S.Schwartz e Charlotte G.Schwartz, “Problems in participant observation”, American Journal of Sociology, LX (janeiro de 1955):p.355.

90 Muitos pesquisadores enfatizam a importância de ser aceito enquanto “pessoa”:

“Uma pessoa torna-se aceita como observador participante devido em maior proporção ao tipo de pessoa que revela ser aos olhos dos seus contatos no campo, do que aquilo que a pesquisa representa para eles. Os contatos no campo querem se assegurar de que o pesquisador é um “bom sujeito”, de que se pode ter certeza que não fará “nenhuma sujeira” com o que descobrir. Eles não estão interessados em entender a base lógica do estudo.”

In: John P.Dean: “Participant observation and interviewing”, em John T.Doby (org.), Introduction to Social Research, The Stackpole Co., Harrisburg, Pensilvânia, 1955, p.233.

Obs: Foi o que ocorreu em Acari: meu trabalho tornou-se mais fácil não quando todos conheceram e entenderam os meus objetivos, mas quando começaram a “gostar de mim”, a “ter prazer na minha presença”, a “confiar” e a não se sentirem ameaçados, embora o processo esteja longe de terminar, vide a desconfiança da namorada da filha de Cy quanto à foto dela.

91 Não há regras fixas para atingir o objetivo de “ser aceito”:

“No seu dia-a-dia no campo, o pesquisador toma decisões sobre quem é e quem não é a ‘pessoa certa’ para dar determinadas informações, ou ainda como conduzir-se em uma variedade de novas situações que se criam a cada momento. Essas são informações instrutivas para o principiante. O problema consiste em como controlar a própria aparência e ação diante dos outros.”

91-2 Quatro papéis possíveis para o sociólogo realizando trabalho de campo seg. R.L. Gold:

  1. participante-total: verdadeira identidade desconhecida das pessoas observadas, por exemplo, alguém que vai trabalhar em uma fábrica como se fosse operário; o mais importante aqui é a capacidade para “fingir papéis” o que nem sempre é fácil devido à diferente origem social, por exemplo (cita os dois casos de Foot-Whyte: chapéu e empréstimo de dinheiro);

  2. participante-como-observador: quando os informantes estão conscientes de que a relação é de campo; usado “com mais frequência (…) nos estudos de comunidade, nos quais o observador constrói relações com os informantes lentamente e onde pode usar mais tempo e energia na participação do que usa na observação. De vez em quando observa informalmente – quando vai às festas por exemplo…”

  3. observador-como-participante: “é usado em estudos em que se usa entrevistas numa só visita. Exige relativamente mais

93 observação formal do que observação informal ou qualquer espécie de participação. Também resulta num risco menor de ‘virar nativo’ do que o risco inerente ao papel de participante total ou de participante como observador. No entanto, visto que o contato entre o observador-como-participante e o informante é tão curto e talvez superficial, é mais provável que ele compreenda mal o informante e seja mal compreendido por este do que os outros dois o façam.”

  1. observador total: “retira completamente o pesquisador de campo da interação social com os informantes. Aqui o pesquisador tenta observar as pessoas de maneira tal que não seja necessário para elas levá-lo em consideração, pois elas ignoram que ele as esteja observando ou que, de alguma forma, elas lhe estejam servindo de informantes.Dos quatro papéis no campo, este é o único que quase nunca é o dominante. Às vezes é usado como um dos papéis subsidiários que são representados para levar-se a cabo os papéis dominantes.”

93 A cegueira decorrente de “tornar-se nativo”:

“Supõe-se que quanto mais intensa for a participação, por um lado mais ricos serão os dados, e por outro lado maior será o perigo de ‘virar nativo’ além de, como consequência de se adotar a maneira de perceber e interpretar o ambiente que é própria do grupo, tornar-se cego para muitas questões importantes cientificamente.” Um dos mecanismos para evitar isso: “saídas periódicas do campo. “

Obs: Não corri este perigo, muito pelo contrário: a ida e vinda me permitiu comparar o modus vivendi da classe média e dos favelados, como por exemplo a questão da geometria das ruas.

93 Vantagens e desvantagens de cada tipo de inserção no grupo pesquisado:

“Os pesquisadores que permanecerem muito marginais às atividades diárias do grupo estudado não conseguirão certos tipos de informações. A participação intensiva pode tornar impossível o teste de hipóteses, mas pode ajudar a descobrir o vernáculo do grupo estudado, os significados empregados pelo grupo quando estranhos estão presentes.

94 A observação retrospectiva:

“O que acontece no intervalo de tempo entre o incidente e o seu registro final é da maior importância. Na observação retrospectiva, o observador recria na sua imaginação, ou tenta recriar, o campo social em todas as suas dimensões, ao nível de percepções e sentimentos. Ele assume o papel de todas as outras pessoas que viveram aquela situação e tenta evocar em si mesmo os seus sentimentos e pensamentos no instante em que ocorria o incidente. Faz-se um tipo de reconstrução da apresentação do fenômeno tal como foi inicialmente registrado… Nessa reconstrução, pode-se manter os dados iniciais alterados ou pode-se adicionar a eles ou ainda mudá-los; aspectos significativos do incidente, antes omitidos, podem então surgir; e conexões entre segmentos do incidente e entre este incidente e outros, antes não reconhecidos, podem também surgir.”

In: SCHWARTZ e SCHWARTZ,pp.345-6.

95 O perigo de desprezar o valor das anotações anteriores em nome da última interpretação, gerando uma descrição pasteurizada e única, perdendo de vista as mudanças:

“Para refrescar a sua memória, o observador participante pode recorrer aos seus registros, mas, se sua perspectiva mudou com o passar do tempo, pode vir a desprezar ou a não dar o devido valor a anotações e impressões anteriores em favor das feitas posteriormente. Anotações de campo feitas em dois períodos diferentes num mesmo projeto, podem, de fato, ser um dos meios mais importantes para se estudar a mudança. Em vez disso, o que acontece é que o pesquisador oculta a mudança por tratar os seus dados como se tudo tivesse acontecido ao mesmo tempo. Isto resulta numa descrição a partir de uma só perspectiva, em geral aquela tomada no final do trabalho de campo, mas redefinida em leituras posteriores de suas anotações.”

In: VIDICH,AJ., “Participant observation and the collection and interpretation of data”, American Journal of Sociology, LX (janeiro de 1955), p.360.

96-7 Resumo de artigo de Becker, “problems of inference and proof in participant observation” (que existe em português)

97 Três questões importantes:

  1. importância de ligar os problemas encontrados na pesquisa de campo diretamente ao relato dos resultados. Essa maneira de proceder permite ao leitor discernir que problemas surgiram na coleta de que informação e como estes problemas afetaram as conclusões sobre os resultados específicos.”

  2. O segundo diz respeito à óbvia falta de comentários, feitos por autores que abordaram a pesquisa de campo, com relação à importância de tornar explícitos os pressupostos teóricos aantes de iniciar a pesquisa de campo, como também ao fato de que o próprio processo de pesquisa bem sucedida verifica tanto conceitos teóricos básicos quanto os processos sociais e as teorias substantivas que estamos interessados em explicar e predizer.”

  3. O terceiro problema deriva do segundo e está relacionado à questão do que constitue as condições para testar hipóteses na pesquisa de campo.”

98 Citação de Schutz (“concept andd theory formation in the social sciences”) acerca da diferença entre a realidade e o cientista físico e a realidade e o cientista social, derivando do fato do observador ser “parte do campo de ação”:

“Cabe ao cientista natural, e somente a ele, definir, de acordo com as regras processuais de sua ciência, o seu campo de observação e determinar os fatos, dados e acontecimentos (dentro desse campo) que sejam relevantes para os problemas ou para o objetivo científico ao seu alcance. Nem são esses fatos ou acontecimentos selecionados previamente, nem é o campo de observação interpretado previamente. O mundo da natureza, tal como é explorado pelo cientista natural, não ‘significa’ nada para as moléculas, átomos e elétrons que nele existem. O campo de observação do cientista social, entretanto, quer dizer, a realidade social, tem um significado específico e uma estrutura de relevância para os seres humanos que vivem, agem e pensam dentro dessa realidade. Fazendo uso de uma série de construtos do senso-comum, eles selecionaram e interpretaram previamente este mundo vivenciado como a realidade de suas vidas cotidianas. São estes objetos de pensamento que determinam, por motivá-lo, o comportamento deles. Os objetos de pensamento construídos pelo cientista social com a finalidade de dar conta desta realidade social, têm que estar baseados nos objetos de pensamento construídos pelo senso-comum dos homens que vivem sua vida cotidiana dentro de seu mundo social.”

104 Um problema ético:

“deveria a pesquisa ser pública tanto para a comunidade científica do pesquisador (supondo-se que se mantenha o anonimato das pessoas) quanto para a comunidade societária da qual os dados são obtidos ?”

105 Elogio e crítica a Dalton:

“Dalton fez um relato rico e cuidadoso de suas atividades de pesquisa e forneceu um material informativo, mas não os apresentou de maneira tal que o leitor pudesse avaliar a influência das operações que empregou para obter seus dados [grifo meu], as suposições quanto ao momento em que conseguia obter a confiança dos sujeitos, que tipos de questões e conversas provocavam que respostas, como decidiu que certas respostas seriam aceitas como ‘dados’ e outras como ilusórias, ou quantos sujeitos e que tipos de respostas foram considerados para fundamentar uma explicação.”

107 “A pesquisa de campo poderia ser ainda mais benéfica para os que adotam a observação participante, se os problemas de acesso, interpretação e outros similares pudessem ser incluídos na discussão dentro do texto.”

(…)

“Por indicar precisamente que perguntas eram feitas em momentos determinados, as respostas dos inquiridos, como acontecimentos de maior importância vinham à tona, como tudo isso afetava a compreensão que o observador tinha dos acontecimentos e a interpretação que deles fazia, o pesquisador se aproxima de algo parecido com a montagem de uma experiência. As exigências da observação

108 participante obviamente tornam-se muito maiores do que as colocadas sobre outras formas de pesquisa, contando que o pesquisador esteja interessado em alcançar, ou melhor em se aproximar de, cânones ideais do procedimento científico. Talvez seja demasiado esperar que esse procedimento ideal seja alcançado, mas o procedimento realmente adotado deve ser comunicado a fim de que a fundamentação de qualquer inferência sobre uma série de acontecimentos possa ser conhecida por outros pesquisadores e venha, assim, a fornecer uma base comparativa e a ser replicada de tal modo que os procedimentos melhorem. [grifo meu]”

108 O problema da abordagem, requer a avaliação da posição do observador no grupo e a questão do controle das impressões – salientado por Goffman::

“A abordagem à organização ou grupo a ser estudado requer que sejam avaliados a posição do observador em relação aos sujeitos a serem estudados, os meios de acesso, e como o acesso afetará suas relações com os sujeitos. Como apresentar-se diante dos outros ? Esta se torna uma questão básica. Como o observador faz o seu contato inicial com as pessoas que conseguem acesso para ele e com os sujeitos a serem estudados, enfim, com qualquer pessoa que se torne objeto de seu estudo ? Goffman, entre outros, considera esta questão uma questão crucial para qualquer interação social.

‘Quando um indivíduo entra na presença de outros, estes em geral procuram obter informações sobre ele ou trazer à tona informações sobre ele já obtidas. Eles estarão interessados no seu status socio-econômico geral, sua concepção do ego, sua atitude para com eles, sua competência, sua lealdade etc…

Passemos agora do enfoque dos outros para o do indivíduo que se apresenta diante deles. Este pode desejar que os outros pensem bem dele, ou que pensem que ele pensa bem deles, ou que percebam o que de fato ele sente em relação a eles, ou ainda que não obtenham nenhuma impressão nítida. Ele pode desejar assegurar suficiente harmonia para que a interação possa ser mantida, ou desejar espoliá-los, confundi-los, enganá-los, antagonizá-los, insultá-los ou livrar-se deles” In: Presentation of the Self in Everyday life, 1959,pp.1-3.

Obs: Devido ao estigma sofrido pelos favelados, devido à atitude geral de medo, desprezo e hostilidade velada dos membros das classes médias, é sobretudo importante demonstrar que se pensa bem dos favelados e da favela para ser bem recebido. Por isto desaconselhei Benjamin Penglase a se aventurar no trabalho de campo se ele não tivesse nenhuma simpatia espontânea e verdadeira pela favela, o que ele afirmou ter (via a Rocinha quando era pequenininho e morava no Brasil e se perguntava como aquelas pessoas viviam).

109 “Schutz assinala explicitamente que, enquanto observadores científicos, devemos construir um modelo do ator: os seus motivos, ações, gostos e aversões típicos como condição básica para observar e interpretar o comportamento de acordo com regras processuais ou teóricas de nossa disciplina [grifo meu].”

110 Tanto Goffman quanto Schutz enfatizam “um objetivo fundamental da sociologia: a procura dos princípios básicos de interação social”

“O pesquisador de campo não estará assim sem um modelo de ator a guiá-lo em suas observações. De fato, se tratar os princípios de interação social como problemáticos, ele poderá contribuir para o nosso conhecimento de duas maneiras: em primeiro lugar, fornecendo um teste para a teoria básica; em segundo lugar, tratando tais proposições como ‘dadas’ e usando tais ‘princípios’ como a base para travar relações sociais com os ‘nativos’ assim como para ordenar seus contatos iniciais e desenvolver papéis e interações.”

112 “Schutz insiste em dizer que a primeira tarefa das ciências sociais é a exploração dos princípios básicos pelos quais os homens organizam suas experiências na vida diária.”

112 Problemas práticos no trabalho de campo:

“Parte importante do trabalho de campo tem a ver com os problemas de identificar, obter e sustentar os contatos que o pesquisador de campo precisa fazer. Por exemplo, dada a escolha do papel ou dos diferentes papéis que pode assumir perante os outros ou lhes atribuir, que tipos de intimidades deveria ele cultivar ? Que tipos de pessoas procurar ? Como fazer os contatos ? Como mantê-los ? De que maneira estes afetam os dados obtidos ? De que maneira contatos específicos conduzem a certos dados ?”

113 Relato de um pesquisador de campo experiente, John P.Dean (“Participant observation and interviewing” In:Doby,1955: 225-252), acerca dos vários tipos de informantes, considerados por ele “mais úteis do que a pessoa ‘mediana’. Distingue entre aqueles que são mais sensíveis para discernir daqueles que considera como ‘mais inclinados a revelar’”;

  1. mais sensíveis para discernir:

– o intruso, que vê as coisas sob a perspectiva de outra cultura, classe social, comunidade etc.

– o ‘recruta’, que se surpreende com o que se passa e percebe coisas tomadas como óbvias que o adaptado deixa passar. E ainda por cima pode não ter posição no sistema para progeger.

– o status novo, a pessoa em transição de um papel ou status para outro, na qual as tensões da nova experiência são delicadas e sensíveis.

– o ‘natural’, ou seja, aquela pessoa rara que é objetiva e reflexiva no campo. Pode algumas vezes ser indicado por outras pessoas inteligentes e reflexivas.”

  1. mais inclinados a revelar”:

– o informante ingênuo, que não sabe do que fala: seja (a) ingênuo sobre o que o pesquisador representa, ou (b) ingênuo sobre o seu próprio grupo.

– o frustrado (rebelde ou descontente), em especial aquele que está consciente do bloqueio a seus impulsos e desejos.

– os ‘de fora’, que estão fora do poder mas que ‘sabem das coisas’ e que criticam os que estão ‘dentro’ – ansioso por revelar fatos negativos sobre estes.

– o habitué ou antigo frequentador, ‘peça do cenário’ que não tem mais posições a defender ou que está tão bem aceito que não é ameaçado por expor o que os outros dizem ou fazem.

– a pessoa ‘carente’, que se gruda no entrevistador porque precisa de atenção e apoio. Enquanto o entrevistador sinta essa necessidade, ela falará.

– o subordinado, que precisa adapatar-se aos seus superiores. Em geral desenvolve sus discernimento para abrandar o impacto da autoridade e pode ser hostil e inclinado a ‘arrasar os de cima’.”

Obs: Natural, sem dúvida, Deley; Informante ingênuo (a), Lúcia, mas também frustrada; Renato e atualmente Genilda, ‘de fora’;

114 Goffman e “as pessoas que ficam sabendo ‘segredos da equipe’ e que podem desacreditar ou desorganizar a representação que um grupo quer promover. Ele se refere às pessoas que possuem tais informações como ocupantes de ‘papéis discrepantes’:

‘Em primeiro lugar, existe o papel do ‘delator’. O delator é alguém que finge, diante dos atores, sem membro do seu time, que tem a permissão de vir aos bastidores e de adquirir informação, destrutiva e que então, aberta ou secretamente, entrega tudo à platéia…

Em segundo lugar, existe o papel de ‘falso espectador’ (shill). O falso espectador é aquele que atua como se fosse um simples membro da platéia mas que é, de fato, aliado dos atores…

Consideremos, agora, um outro impostor na platéia, mas desta vez alguém que usa sua sofisticação não manifesta no interesse da platéia e não dos atores. Este tipo pode ser exemplificado pela pessoa que é contratada para verificar os padrões de execução que os atores mantêm com a finalidade de assegurar que, em certos aspectos, as aparências promovidas não estarão muito longe da realidade… (spotter – ‘olheiro’)

Existe ainda um outro indivíduo peculiar na platéia. É o que ocupa um lugar modesto e discreto na platéia e que deixa a área junto com os espectadores, mas que, ao deixá-la, dirige-se ao seu patrão, um competidor na equipe, cuja representação observou, para contar o que viu. É o comprador profissional – o homem que trabalha numa grande loja e que vai comprar em outra, o espião da moda e o estrangeiro nas Exposições Aéreas Nacionais…

Outro papel discrepante é o chamado leva-e-traz ou mediador. O leva-e-traz fica sabendo dos segredos de cada lado e dá a cada lado a falsa impressão de que é mais leal a ele do que ao outro’” (Goffman, op.cit.:145-9)

115 “Tomando conhecimento dos tipos sociais existentes nas diversas espécies de grupos, identificando-os, estabelecendo relações com eles e obtendo seu apoio, pode o pesquisador de campo restringir o campo de possibilidades no seu projeto de pesquisas, em resumo, tentar especificar e testar hipóteses relevantes.”

115 Problemas referentes à conclusão da pesquisa:

“O pesquisador necessita tomar suas próprias decisões sobre os tipos de ‘contrato social’ – para usar uma expressão de Durkheim – que ele irá cumprir. Isto é particularmente verdadeiros porque estes ‘contratos’ incluem condições não expressas ou não contratuais. Existem os problemas decorrentes da possibilidade do material relatado afetar ou não de maneira adversa os indivíduos estudados. Existe ainda o problema de se deixar intacto o meio pesquisado, de modo a não desestimular outros cientistas sociais de o buscarem.”

117 Há uma série de situações da vida cotidiana semelhantes ao trabalho de campo, ou melhor, que colocam problemas semelhantes:

“A mudança para novo endereço, o início do trabalho em novo emprego, candidatar-se a novo emprego, o início das aulas, o encontro com grupos cujos costumes e linguagens diferem dos nossos, a tentativa de agradar alguém para obter certa informação, tentar vender mercadoria a um freguês, tentar conquistar uma garota – um sem número de processos sociais semelhantes e divergentes incluem as mesmas características que são encontradas na pesquisa de campo.”

118 Como “especificar as bases das suas inferências”:

1. O pesquisador de campo deve formular tão explicitamente quanto possível o que busca realizar ao se empenhar na pesquisa: explorar algumas proposições teóricas gerais, testar hipóteses específicas, delimitar território ainda não estudado para pesquisas futuras e verificação de hipóteses, e assim por diante.

  1. Qualquer conhecimento da situação de pesquisa independentemente do que pode vir a ser obtido no próprio trabalho de campo deve, se possível, ser conseguido. Isto significa incluir a literatura pertinente, entrando em contato com as fontes que possam ter informações sobre o problema a ser estudado, buscando informações sobre o meio no qual a pesquisa de campo deverá efetuar-se.

  2. Na medida em que o problema a ser explorado ou investigado o permita, o pesquisador deve deixar claro que tipos de informação seriam necessários para cumprir seus objetivos. Isso pode variar desde a formulação de questões específicas a serem respondidas pelos entrevistados até a simples identificação do desconhecimento por parte do pesquisador do que vai ser perguntado, ou mesmo como o contato será feito.

  3. A sugestão da ‘história natural’ feita por Becker pode ser muito útil, independentemente do que já for conhecido. Anotações cuidadosas sobre cada etapa da pesquisa podem revelar discrepâncias ou congruências processuais entre (1) intenções explícitas ou implícitas, (2) teoria e metodologia e (3) a mudança de posições ao longo do tempo. A menos que se possa especificar o que é desconhecido numa determinada área, é difíciel ver o que estudar e como estudar alguma coisa nesta mesma área. Os pesquisadores de campo e os outros só podem avaliar suas tentativas de verificação de hipóteses tornando explícito aquilo que conhecem, ou supõem, ou que os preocupa*.

  4. Cada passo na ‘história natural’ pode ser tratado formalmente se o problema for posto com suficiente precisão. (…)

119 6. Embora um pesquisador possa ter começado com um projeto exíguo e com noções apenas vagas sobre o problema a ser investigado, ele pode chegar a testar algumas hipóteses muito específicas através de especificações minuciosas dos seus procedimentos metodológicos e de suas limitações, desde que as condições do campo o permitam. Provido com a história natural da investigação, o estudante pode beneficiar-se através do conhecimento dos erros do pesquisador e pode reproduzir uma parte ou a totalidade do trabalho.”

119 Algumas realidades do trabalho de campo e os antídotos ideais:

1. O pesquisador tem uma idéia do problema e mesmo do que ele espera encontrar. Isto pode significar que ele implicitamente conduz a sua pesquisa de modo a encontrar exatamente as informações que vem apoiar suas idéias iniciais, por mais vagamente que estas tenham sido concebidas. Uma coisa é tornar públicas essas idéias, digamos numa forma preliminar, e outra é mantê-las privadas até a pesquisa ser escrita. A declaração antecipada das intenções exige que sejam dadas interpretações alternativas. Por outro lado, se mantiver reserva, o pesquisador pode dizer que ‘já sabia disso o tempo todo’ ou que ‘esta foi a maneira em que isto foi concebido desde o início’

  1. Muitos observadores participantes, desse modo, dirigem-se ao campo com algumas noções vagas sobre resultados obtidos por estudos anteriores e os utilizam para entender erroneamente as informações obtidas. Este argumento é mencionado frequentemente na literatura citada neste capítulo. É comum sustentar-se que uma das virtudes da observação participante é que o pesquisador é capaz de modificar continuamente concepções e resultados anteriores, considerados menos corretos do que observações ulteriores, à luz das experiências subsequentes. Como apontou Becker, a importância de se registrar e apresentar os dados e inferências em sua ‘história natural’ é que fornece ao pesquisador uma base para o estudo das mudanças em suas concepções, seus dados, seus métodos e suas inferências ao longo do tempo.

120 3. A maioria dos pesquisadores de campo apresentam seus resultados de modo a melhor realçar os principais pontos do seu trabalho. Em geral isto significa que ignoram as mudanças nas perspectivas das pessoas e do pesquisador através do tempo. O fato de ser mais aceito pelo grupo estudado pode conduzir à obtenção de informações mais minuciosas ou novas informações não disponíveis anteriormente, mas pode também impedir o observador de notar distinções ou atividades cruciais. Distinções que poderiam ter sido notadas antes, são desprezadas. Os resultados são apresentados como se o problema de acesso, de continuação do contato e de seu término não houvessem influenciado o levantamento e a interpretação dos dados. O relato, como nota Vidich, tem uma qualidade ‘intemporal’.

  1. O relato post-facto é tido pelos pesquisadores e leitores subsequentes como conhecimento ‘final’ sobre o grupo estudado. Em lugar de reconhecer-se o caráter problemático desses resultados e tentar então refinar-se princípios básicos ou estender nosso conhecimento, permitindo um estudo comparativo, a regra é que cada pesquisador seguinte busque o seu próprio e exclusivo local de pesquisas. Essa conduta tenderia a destacar a contribuição relativa do pesquisador, como tende a reforçar a imagem de que cada grupo é singular, exigindo métodos singulares, interpretações teóricas singulares e um observador singular. Tudo isso apesar das regularidades atestadas na observação participante pelos mesmos pesquisadores ao discutirem vários conceitos.

  2. A tendência até aqui tem sido a de enfatizar resultados substantivos e não o desenvolvimento da teoria básica. A ‘teoria geral’ consiste muitas vezes em algumas proposições gerais difíceis de serem traduzidas em regras processuais e que são tratadas como ‘constantes’, no sentido em que não são questionadas na pesquisa de campo, mas simplesmente ‘aplicadas’ para explicar os resultados do estudo.”

(…)

121 “a pesquisa de campo fornece uma excelente oportunidade tanto para a utilização e verificação de teorias básicas, quanto para o estudo do modo como essas teorias penetram nosso conhecimento de áreas substantivas.

CICOUREL,Aaron. “Teoria e método em pesquisa de campo” In: ZALUAR, Alba. Desvendando máscaras sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. 2.ed.