/Foot-Whyte e o trabalho de campo em “Cornerville”

Foot-Whyte e o trabalho de campo em “Cornerville”

77 Dois casos de desconhecimento da etiqueta local de Cornerville:

  1. não se deve tirar o chapéu em casa, quando não há mulheres presentes

78 ii. Não se deve ir até a casa da moça, a não ser que se queira compromisso sério

Obs: Já Malinowski (1976:26) falara em respeitar a etiqueta local: “Muitas e muitas vezes também cometi erros de etiqueta que os nativos, já bem acostumados comigo, me apontavam imediatamente. Tive de aprender a me comportar como eles e desenvolvi uma certa percepção para aquilo que eles consideravam como ‘boas’ ou ‘más’ maneiras. Dessa forma, com a capacidade de aproveitar sua companhia e participar de alguns de seus jogos e divertimentos, fui começando a sentir que entrara realmente em contato com os nativos. Isso constitui, sem dúvida, um dos requisitos preliminares essenciais à realização e ao bom êxito da pesquisa de campo.”

79 Sua aceitação no local dependia menos das explicações do que das relações pessoais:

“Descobri que minha aceitação no bairro dependia muito mais das relações pessoais que desenvolvesse do que das explicações que pudesse dar. Escrever um livro sobre Cornerville seria bom ou não, dependendo da opinião expressa a respeito da minha pessoa. Se eu fosse uma boa pessoa, o projeto era bom, se não fosse, nenhuma explicação poderia convencê-los de que o livro era uma boa idéia.”

79 A importância de obter o apoio de indivíduos-chaves:

“Aprendi, logo cedo na minha estada em Cornerville, a importância crucial de obter o apoio de indivíduos-chaves em todos os grupos ou organizações que estivesse estudando. Ao invés de tentar explicar a minha presença a cada um, descobri que estava fornecendo mais informações sobre minha pessoa e meu estudo a líderes como

80 Doc do que daria espontaneamente a qualquer rapaz de rua. Sempre tentei dar a impressão de que estava propenso e ansioso por contar sobre o meu estudo quanto qualquer pessoa quisesse saber, mas era somente com os líderes de grupo que me esforçava para fornecer informações completas.”

(…)

“sempre procurei o líder dos grupos que estivesse estudando. Necessitava não só do seu apoio, mas também da sua colaboração ativa em meu estudo. Visto que tais líderes ocupavam uma posição na comunidade que lhes permitia observar melhor do que seus seguidores o que acontecia e que eram em geral observadores mais perspicazes do que seus seguidores, descobri que tinha muito a aprender através de uma colaboração maior com eles.”

81 Disposto a aceitar e a ser aceito e procurou demonstrar isso.

81 Fez poucas entrevistas formais

81 Procurou tomar parte nas discussões sobre baseball, corridas de cavalo e sexo.

81 Às vezes não pode se esquivar de dar a sua opinião:

“Embora me esquivasse de expressar opiniões a respeito de temas delicados, descobri que discorrer sobre certos assuntos fazia parte do padrão social e que dificilmente alguém poderia participar de um debate sem se envolver.”

81 O método de “fazer ponto nas esquinas” é bem melhor do que perguntar tudo:

“Às vezes eu duvidava se fazer ponto nas esquinas era processo suficientemente ativo para ser dignificado pelo termo ‘pesquisa’. Talvez devesse fazer algumas perguntas aos rapazes. No entanto, é preciso aprender o momento apropriado para perguntar, assim como o que perguntar.

Aprendi esta lição nos primeiros meses, quando estava uma noite com Doc no estabelecimento de jogo de Chichi. Um homem, vindo de outra parte da cidade, nos deleitava com a história da organização do jogo, e falava com conhecimento de causa a respeito de vários assuntos interessantes. Ele monopolizou a conversa e, como os outros fizessem perguntas e tecessem comentários, comecei a sentir que deveria dizer alguma coisa para integrar-me no grupo. Perguntei: ‘Suponho que os guardas eram todos subornados ?’

O jogador fez a cara de espanto. Olhou fixamente para mim. Em seguida negou com veemência que qualquer policial fosse subor-

82 nado e imediatamente desviou a conversa para outro assunto. Durante o resto da noite senti-me muito pouco à vontade.

No dia seguinte Doc interpretou a lição da noite anterior. ‘Bill, vá devagar com esse palavreado de quem, o que, por que, quando, onde. Você faz estas perguntas e as pessoas irão se calar diante de você. Se as pessoas o aceitam, você pode perambular por todo o canto e a longo prazo vai ter as respostas que precisa sem fazer perguntas.

Descobri que ele estava certo. Na medida em que sentei e ouvi, obtive respostas para perguntas que nem teria feito se tivesse obtendo informações somente através de entrevistas. Naturalmente não abandonei de todo as perguntas. Aprendi apenas a avaliar a susceptibilidade da pergunta e o meu relacionamento com as pessoas de modo que só fazia perguntas em uma área sensível quando estava seguro de que meu relacionamento com a pessoa era sólido.”

82 É preciso não exagerar no “nível de inserção”

82-3 Cornerville e Harvard, dois mundos diferentes, dois habitus (diria Bourdieu) diferentes:

“Em Cornerville eu falava mais entusiasticamente, engolindo os finais

83 e gesticulando muito. (Naturalmente, havia também diferença no vocabulário que utilizava. Enquanto estava profundamente envolvido em Cornerville, durante as minhas visitas a Harvard me via de língua travada. Eu simplesmente não podia manter discussões sobre relações internacionais, natureza da ciência e assim por diante, nas quais antes me sentia à vontade).

83 Evitou cargos, embora tenha aceito o de secretário do Clube da Comunidade Italiana, que lhe permitia “escrever um relato completo do desenrolar da reunião enquanto esta ocorria, sob o pretexto de fazer anotações para as minutas”

83 “Ainda que me esquivasse de influenciar indivíduos ou grupos, tentei ser útil no sentido em que se espera auxílio de um amigo em Cornerville.”

83 Empréstimo pode criar mal-estar

84 “Quando o pesquisador está tentando participar de mais de um grupo, seu trabalho de campo se complica. Pode acontecer que os grupos entrem em conflito e assim esperar-se-á do pesquisador uma definição.”

84 Há o momento em que ele sente “o estabelecimento de uma posição sólida na vida do bairro”; quando ele participa com sucesso do jogo de baseball

85 e recebe um anel de presente; é aí que “experimentei a sensação maravilhosa de ter correspondido à expectativa à meu respeito, o que me fez sentir ainda mais que fazia parte de Norton Street.”

85-86 O modo de organizar as anotações permitia relacionar as atitudes dos indivíduos aos grupos aos quais pertenciam;

FOOTE-WHYTE,William. “Treinando a observação participante” In: ZALUAR, Alba. Desvendando máscaras sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. pp. 77-86.