/HISTÓRIAS DO ALVITO – Opium

HISTÓRIAS DO ALVITO – Opium

Era um rapaz de vinte anos. Para o amor, um menino. Tímido, desajeitado, sem confiança. Cabelos compridos e coragem diminuta. Reincidia em paixões platônicas, desfrutando da segurança proporcionada pelos amores impossíveis. Em festas, tinha que atravessar o túnel de medo e vergonha para comparecer, embora não possa se dizer que estava presente. Desenvolvera a técnica de virar ostra em qualquer lugar. Só tinha real contato com o mundo através dos livros. Era o seu mundo. Não suspeitava que existisse outro.

Mas não era feito de papel. O desejo também tomava conta de sua alma como um vento inesperado arrancando tudo que vê pela frente. E foi aí que ela apareceu. Havia quem não a achasse bonita, aplicando desusados e frios padrões geométricos, proporções. Mas ele soube ler a beleza dela, total, una, cintilante e quente. Uma morena brasileira. Olhos inquietos e matreiros, promessas de paraíso. Quando gargalhava o tempo desistia de passar, querendo aproveitar o frescor e a graça que a alegria dela espalhava. E além de tudo havia o perfume. Opium. Não sei se era o que Yves Saint-Laurent pretendia, mas para ele era um odor que resumia tudo, aquilo que Proust chamaria de uma memória involuntária. Era sentir o aroma para o corpo começar a arder de desejo por ela, todos os sentidos submetidos ao poder do olfato.

Ele teve que se fazer corajoso. Aqui e ali, um sorriso revelador, uma leve roçada verbal, um elogio tão preciso e agudo como uma agulha de acupuntura. Inteligência era a única arma de que dispunha. Ela percebeu. Teriam ficado meses assim feito duas borboletas girando uma em torno da outra a mostrar suas cores. Não fosse ela. Em respeito a ele, armou uma anti-armadilha em que se fez de presa, uma milenar técnica feminina, para que ele pudesse, coitado, se achar o caçador.

Depois parecia ser o céu na terra. Mas que nem o bloco de carnaval, a alegria é muita, mas dura pouco. Quando o viu cativo, entregue, a encarnação perfeita da expressão perdidamente apaixonado, ela se desinteressou. Terminou tudo da pior maneira, como depois admitiu: apenas por esporte, flertou com outro na frente dele, com inúmeras testemunhas, para a vergonha ser mais completa.

De volta à ostra ele se recolheu. Não brigou, não gritou. Nada disse exceto: acabou, você sabe o motivo.

Desgraçadamente, ela era amiga da irmã dele. E os três faziam curso de francês na Aliança Francesa. Na mesma turma, na mesma sala. Evitava olhar para ela, mas isso de nada valia. O doce, agora amargo, aroma de Opium dominava a sala, transformada em uma câmara de tortura.

Saiu do curso. Era raro encontrar com ela. Mas durante anos, no meio da rua, via uma mulher, pressentia o perfume de Opium e trocava de calçada como se estivesse a fugir de um animal selvagem.

Anos depois ela lhe manda uma carta. A mãe havia morrido. A mãe que sempre dizia a ela que ele era maravilhoso e que um dia ela deveria casar-se com ele. Os ferimentos não doíam mais, mas as cicatrizes eram recentes. Preferiu não responder. Semanas depois ela telefonou. Disse que queria falar com a irmã dele, mas que antes gostaria de saber se ele havia recebido uma carta dela. Até hoje ele não sabe de onde veio a resposta que deu:

– Recebi. Quando tiver algo a te responder eu te mando uma carta.

Nunca mandou.

Nunca mais se viram.

Mas por favor não usem Opium perto de mim.