/HISTÓRIAS DO SAMBA – 60. Zeca Macunaíma

HISTÓRIAS DO SAMBA – 60. Zeca Macunaíma

60. Zeca Macunaíma

Ele foi contínuo, feirante, camelô e até anotador do jogo do bicho. Na juventude, era tão desbocado que seu apelido em Irajá era Kid Palavrão. Mas ao mesmo tempo era um romântico incurável capaz de se apaixonar perdidamente e de fazer versos para a amada. Quando suas primeiras composições estouraram com Beth Carvalho, Alcione e outras, ele, que vivia na pindaíba, gastou tudo sem dó nem piedade.

Amigo dos seus amigos, certa vez foi ajudar o Gordo (Arlindo Cruz) em uma briga e acabou batendo no amigo sem querer nem perceber. Quando viu o amigo sangrando se desesperou e perguntou quem havia feito aquilo para ele acabar com o cara. Arlindo respondeu já rindo que havia sido ele, Zeca. Nas palavras do próprio:

– No quesito responsabilidade eu era ruim. Até hoje não ensaio, não faço nada e não quero saber de coisa nenhuma.

Sua facilidade pra compor a partir de situações cotidianas lembra Noel. Certa vez foi a uma feijoada na casa do Gordo em Marechal Hermes. Para variar, chegou atrasado, e do banquete só haviam restado as laranjas já chupadas. O episódio virou o maravilhoso partido Bagaço da Laranja, em parceria com Arlindo e Jovelina Pérola Negra:

É que eu fui no pagode

Acabou a comida, acabou a bebida

Acabou a canja

sobrou pra mim

o bagaço da laranja

Seu primeiro disco vendeu quase um milhão de cópias e hoje Zeca Pagodinho é sinônimo de samba e um dos artistas mais requisitados da nossa música. Mas ele nunca deixou de ser o que sempre foi, seu negócio sempre foi andar de chinelo e bermuda pelo meio da rua, beber uma cerva gelada com os amigos, versar bonito numa roda de partido alto. Quando começou a fazer sucesso o assédio foi tão grande, perturbou tanto sua rotina que ele jurou para um amigo que iria voltar pro jogo do bicho.

Odeia frescura e esnobismo. Já casado, foi com a mulher a São Paulo para um show  no cinco estrelas Maksoud Plaza. Mas quando chegou todo desleixado e carregando sacola de supermercado o pessoal do hotel começou a olhar torto e o barman pediu a ele que pagasse o uísque antes de beber. Zeca achou melhor pagar logo três adiantado. E depois que foi reconhecido não aceitou o pedido de desculpas, virou pra mulher e falou:

– Não quero saber desse hotel. Vamos pro Jandaia (um hotel bem simples frequentado pelo pessoal do samba)

Zeca tem suas manias. Poderíamos até dizer que, à sua maneira, é metódico. Dorme duas horas antes de qualquer show e só é acordado meia hora antes. Quando bebe cerveja só vai até a primeira metade do copo: joga o resto fora porque acha que a cerveja já está quente. Já fez samba até no cemitério de Irajá, ou melhor, em umas barracas que ficavam do lado de fora para alimentar os parentes do falecido. E nunca perdeu a humildade. Em um show na Barra, sua madrinha Beth Carvalho proclamou:

– Agora o Brasil tem um rei

Zeca respondeu de prima:

– O rei é Deus. E o príncipe é Paulinho da Viola. Eu não sou nada, sou muito esculhambado.

Todo mundo conhece ou pelo menos ouviu falar de Macunaíma, o anti-herói ou “herói sem nenhum caráter” inventado por Mário de Andrade. Macunaíma é uma espécie de resposta brasileira às neuroses do mundo ocidental: o trabalho, a responsabilidade, a repressão sexual.

Na sua maravilhosa biografia de Zeca Pagodinho, Luiz Fernando Vianna retrata seu biografado como um Macunaíma do subúrbio. Talvez isso explique a popularidade que desfruta em todo o Brasil e em todas as classes sociais. Zeca encarna o herói à brasileira, uma espécie de malandro boa-praça que não faz mal a ninguém mas também não é otário. Zeca Macunaíma.