/LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 006 – “DA TORTURA NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS” (1973), Pierre Clastres (1934-1977)

LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 006 – “DA TORTURA NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS” (1973), Pierre Clastres (1934-1977)

LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 006

“DA TORTURA NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS” (1973), Pierre Clastres (1934-1977)

Filósofo de formação, aluno de Deleuze e Levi-Strauss, Pierre Clastres se interessou pela etnologia e realizou trabalho de campo na América do Sul, sobretudo entre os índios Guayaki do Paraguai. Sua tese fundamental vai contra a ideia de que estas sociedades não conseguiram desenvolver o Estado. Para ele, são sociedades contra o Estado, que criaram mecanismos impeditórios da divisão social e da existência de um poder centralizado. Clastres esteve no Brasil dando aulas na USP em 1967, antes de correr para Paris a tempo de participar das barricadas de maio de 1968. Um trágico acidente de automóvel o levou aos 44 anos de idade.

Em seu livro A sociedade contra o Estado, lançado na França em 1974, o capítulo X se intitula “Da tortura nas sociedades primitivas”. Constatando que o ritual de iniciação em muitas sociedades primitivas consiste em verdadeiras torturas infligidas sobre o corpo dos iniciados, que devem tudo suportar em silêncio, Clastres se pergunta o motivo disso. A resposta tradicional seria de que tais cerimônias se constituem em provas de resistência e coragem, para selecionar guerreiros aptos a defender a coletividade. Há quem acrescente que as cicatrizes e tatuagens deixadas nos corpos dos iniciados servem de identificação, em termos do pertencimento ao grupo: quem tem o corpo marcado daquele forma “é um dos nossos”.

Mas Pierre Clastres, de acordo com sua hipótese central, vai bem além destas duas hipóteses, que ele não descarta, mas que não considera suficientes. Salientando o fato de que se busca um processo doloroso ao máximo, levando muitas das vezes o iniciado a desmaiar, ele explica isso como uma necessidade de criar uma memória. O silêncio exigido dos iniciados equivaleria a uma aceitação dessa lei imposta no corpo.Pela dor extrema, cria-se uma memória da igualdade entre os membros do grupo:

“A lei que eles aprendem a conhecer na dor é a lei da sociedade primitiva, que diz a cada um: ‘Tu não és menos importante nem mais importante do que ninguém. A lei inscrita sobre os corpos, afirma a recusa da sociedade primitiva em correr o risco da divisão, o risco de um poder separado dela mesma, de um poder separado dela mesma, de um poder que lhe escaparia. A lei primitiva, cruelmente ensinada, é uma proibição à desigualdade de que todos se lembrarão.”
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