/Marc Bloch e a questão das mentalidades

Marc Bloch e a questão das mentalidades

Menções diretas ou indiretas aos termos mentalidade/mentalidades:

“A questão, numa palavra, já não é a de saber se Jesus foi crucificado e depois ressuscitou. O que se pretende compreender, daqui em diante, é como há tantos homens que crêem na Crucificação e na Ressurreição. Ora, a fidelidade a uma crença é, sem sombra de dúvida, um dos aspectos da vida geral em que este caráter se manifesta. É como que um nó em que se mistura uma quantidade de traços convergentes, quer de estrutura social, quer de mentalidade.“ (p.33) (…)

“Mas, após Leibniz, após Michelet, deu-se um grande acontecimento: as sucessivas revoluções das técnicas alargaram desmesuradamente o intervalo psicológico entre as gerações. Não é sem alguma razão, talvez, que o homem da idade da eletricidade ou do avião se sente muito longe dos seus antepassados. Donde logo conclui, mais imprudentemente ainda, que deixou de ser determinado por eles. Acrescentemos o jeito modernista próprio da mentalidade do engenheiro.” (p.36) (…)

“O homem passa o tempo a montar mecanismos de que se torna depois prisioneiro mais ou menos voluntário. Que observador, percorrendo as nossas províncias do Norte, se não impressionou com o estranho desenho dos seus campos ? (…) Não pode contestar-se a dissipação de esforços causada por tal disposição das terras nem os incômodos que impõe aos cultivadores. Como explicá-lo ? Pelo Código Civil e seus inevitáveis efeitos responderam publicistas apressados em demasia. Modificai, portanto, as leis sobre herança, acrescentavam eles, e suprimireis assim todo o mal. Se soubessem mais história, se tivessem também interrogado melhor uma mentalidade camponesa formada por séculos de empirismo, haveriam de julgar o remédio menos fácil.” (p.39) (…)

“Lutero, Calvino, Loiola: homens de outros tempos, é verdade, homens do século XVI, que o historiador, ocupado em compreendê-los e em fazer compreendê-los, terá como primeiro dever restituir ao meio respectivo, banhados pela atmosfera mental do seu tempo, a contas com problemas de consciência que já não são exatamente os nossos.” (p.41) (…)

“Já não pensamos hoje, realmente, como o escrevia Maquiavel, como o pensavam Hume ou Bonald, que há no tempo ‘uma coisa, pelo menos, que é imutável: o homem’. Aprendemos que também o homem mudou muito: no seu espírito e, provavelmente, até nos mais delicados mecanismos do corpo. Como poderia ser de outro modo ? Transformou-se profundamente a sua atmosfera mental; e também a sua higiene, a sua alimentação.” (p.42) (…)

“Os fatos históricos são, por essência, fatos psicológicos. É, portanto, noutros fatos psicológicos que encontram normalmente seus antecedentes. Não há dúvida de que os destinos humanos se inserem no mundo físico e lhe suportam o peso. Contudo, exatamente onde a intrusão destas forças exteriores se afigura mais brutal, a sua ação só se exerce orientada pelo homem e pelo seu espírito. O vírus da peste negra foi a causa primeira do despovoamento da Europa. Mas a epidemia não se propagou tão rapidamente senão devido a determinadas condições sociais – portanto, na sua natureza profunda, mentais – e os seus efeitos morais explicam-se apenas pelas predisposições particulares da sensibilidade coletiva.” (p.167)

Passagens importantes em BLOCH,Marc. (s.d.) Introdução à História. Lisboa: Europa-América. Publicado pela 1a. vez em 1949.