/RESUMO de Raízes do Brasil – Capítulo 6: Novos tempos

RESUMO de Raízes do Brasil – Capítulo 6: Novos tempos

AULA 10 – LENDO A HISTÓRIA DO BRASIL – Prof. Marcos Alvito – 03/09/18

 

Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Hollanda – trechos importantes

 

Capítulo VI: Novos tempos (coloquei alguns conceitos em negrito; entre colchetes estão os subtítulos que o próprio autor deu)

 

[FINIS OPERANTIS]

 

– “toda a nossa conduta ordinária denuncia, com frequência, um apego singular aos valores da personalidade configurada pelo recinto doméstico. Cada indivíduo, nesse caso, afirma-se ante os seus semelhantes indiferente à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas, e atento apenas ao que o distingue dos demais, do resto do mundo.” (185)

 

– “Assim, só raramente nos aplicamos de corpo e alma a um objeto exterior a nós mesmos. (…) Somos notoriamente avessos às atividades morosas e monótonas, desde a criação estética até as artes servis, em que o sujeito se submeta deliberadamente a um mundo distinto dele: a personalidade individual dificilmente suporta ser comandada por um sistema exigente e disciplinador.” (185)

 

– “É frequente, entre os brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam, simultaneamente, as convicções mais díspares. Basta que tais doutrinas e convicções se possam impor à imaginação por uma roupagem vistosa: palavras bonitas ou argumentos sedutores.” (185-186)

 

– “No trabalho não buscamos senão a própria satisfação, ele tem o seu fim em nós mesmos e não na obra: um finis operantis, não um finis operis. As atividades profissionais são, aqui, meros acidentes na vida dos indivíduos.” (186)

 

[O SENTIDO DO BACHARELISMO]

 

– “Apenas, no Brasil, se fatores de ordem econômica e social – comuns a todos os países americanos – devem ter contribuído largamente para o prestígio das profissões liberais, convém não esquecer que o mesmo prestígio já as cercava tradicionalmente na mãe-pátria. Em quase todas as épocas da história portuguesa uma carta de bacharel valeu quase tanto quanto uma carta de recomendação nas pretensões a altos cargos públicos.” (187-188)

 

– “De qualquer modo, ainda no vício do bacharelismo ostenta-se também nossa tendência para exaltar acima de tudo a personalidade individual como valor próprio, superior às contigências. A dignidade e a importância que confere o título de doutor permitem ao indivíduo atravessar a existência com discreta compostura e, em alguns casos, podem libertá-lo da necessidade de uma caça incessante aos bens materiais, que subjuga e humilha a personalidade. Se nos dias atuais o nosso ambiente social já não permite que essa situação privilegiada se mantenha cabalmente e se o prestígio do bacharel é sobretudo uma reminiscência de condições de vida material que já não se reproduzem de modo pleno, o certo é que a maioria, entre nós, ainda parece pensar nesse particular pouco diversamente dos nossos avós.” (188)

 

– “Um amor pronunciado pelas formas fixas e pelas leis genéricas, que circunscrevem a realidade complexa e difícil dentro do âmbito dos nossos desejos, é um dos aspectos mais constantes e significativos do caráter brasileiro. (…) Tudo quanto dispense qualquer trabalho mental aturado e fatigante, as ideias claras, lúcidas, definitivas, que favorecem uma espécie de atonia da inteligência, parecem-nos constituir a verdadeira essência da sabedoria.” (188-189)

 

[COMO SE PODE EXPLICAR O BOM ÊXITO DOS POSITIVISTAS]

 

– “É possível compreender o bom sucesso do positivismo entre nós e entre outros povos parentes do nosso, como o Chile e o México, justamente por esse repouso que permitem ao espírito as definições irresistíveis e imperativas do sistema de Comte. Para seus adeptos, a grandeza, a importância desse sistema prende-se exatamente à sua capacidade de resistir à fluidez e à mobilidade da vida.” (189)

 

– Por isso tinham eles a crença de que as novas ideias triunfariam irrevogavelmente, por serem racionais e perfeitas [vide O Alienista] (189)

 

– Essa ideia de perfeição, todavia, fez com que muitos positivistas se dedicassem de forma mais positiva, construtiva, aos negócios públicos: “As virtudes que ostentavam – probidade, sinceridade, desinteresse pessoal – não eram forças com que lutassem contra políticos – mais ativos e menos escrupulosos.” Dá como exemplo Benjamin Constant que dizia ter nojo da política e às vésperas da República nem mesmo lia os jornais. (190-191)

 

[AS ORIGENS DA DEMOCRACIA NO BRASIL: UM MAL-ENTENDIDO]

 

– “Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições lhe imporiam. Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes. A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido.” (191-192)

 

– “Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos.” (192)

 

– “É curioso notar-se que os movimentos aparentemente reformadores, no Brasil, partiram quase sempre de cima para baixo: foram de inspiração intelectual, se assim se pode dizer, tanto quanto sentimental. Nossa independência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa evolução política vieram quase de surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com displicência, ou hostilidade.” (192)

 

– Em relação à independência, afirma Saint-Hilaire: ‘a massa do povo’, segundo ele, ‘ficou indiferente a tudo, parecendo perguntar como o burro da fábula: Não terei a vida toda de carregar a albarda?’” (193)

 

[ETOS E EROS. NOSSOS ROMÂNTICOS]

 

– “Desde então começou a patentear-se a distância entre o elemento ‘consciente’ e a massa brasileira, distância que se evidenciou depois, em todos os instantes supremos da vida nacional. Nos livros, na imprensa, nos discursos, a realidade começa a ser, infalivelmente, a dura, a triste realidade.” (193)

 

– “uma crise subterrânea, voraz. Os melhores, os mais sensíveis, puseram-se a detestar francamente a vida, o ‘cárcere da vida’, para falar na linguagem do tempo.” O que veio a redundar no nosso romantismo (193-194)

 

– “Tornando possível a criação de um mundo fora do mundo, o amor às letras não tardou em instituir um derivativo cômodo para o horror à nossa realidade cotidiana. Não reagiu contra ela, de uma reação sã e fecunda, não tratou de corrigi-la ou dominá-la; esqueceu-a, simplesmente, ou detestou-a, provocando desencantos precoces e ilusões de maturidade.” (194)

 

[APEGO BIZANTINO AOS LIVROS]

 

– “Ainda quando se punham a legiferar ou a cuidar de organização e coisas práticas, os nossos homens de ideias eram, em geral, puros homens de palavras e livros; não saíam de si mesmos, de seus sonhos e imaginações. Tudo assim conspirava para a fabricação de uma realidade artificial e livresca, onde nossa vida verdadeira morria asfixiada.” (195)

 

– “Como Plotino de Alexandria, que tinha vergonha do próprio corpo, acabaríamos, assim, por esquecer os fatos prosaicos que fazem a verdadeira trama da existência diária, para nos dedicarmos a motivos mais nobilitantes: à palavra escrita, à retórica, à gramática, ao direito formal.” (195)

 

– “O amor bizantino dos livros pareceu, muitas vezes, penhor de sabedoria e indício de superioridade mental, assim como o anel de grau ou a carta de bacharel.” (195)

 

– “Porque com o declínio do velho mundo rural e de seus representantes mais conspícuos essas novas elites, a aristocracia do ‘espírito’, estariam naturalmente indicadas para o lugar vago. Nenhuma congregação achava-se tão aparelhada para o mister de preservar, na medida do possível, o teor essencialmente aristocrático de nossa sociedade tradicional como a das pessoas de imaginação cultivade e de leituras francesas.” (196)

 

– “Mas há outros traços por onde nossa intelectualidade ainda revela sua missão nitidamente conservadora e senhorial. Um deles é a presunção, ainda em nossos dias tão generalizada entre seus expoentes, de que o verdadeiro talento há de ser espontâneo, de nascença, como a verdadeira nobreza, pois os trabalhos e o estudo acurado podem conduzir ao saber, mas assemelham-se, por sua monotonia e reiteração, aos ofícios vis que degradam o homem.” (197)

 

– “Outro é exatamente o voluntário alheamento ao mundo circunstante, o caráter transcendente, inutilitário, de muitas das suas expressões mais típicas.” (197)

 

– “Ainda aqui cumpre considerar também a tendência frequente, posto que nem sempre manifesta, para se distinguir no saber um instrumento capaz de elevar seu portador acima do comum dos mortais. O móvel dos conhecimentos não é, no caso, tanto intelectual quanto social, e visa primeiramente ao enaltecimento e à dignificação daqueles que os cultivam. De onde, por vezes, certo tipo de erudição sobretudo formal e exterior, onde os apelidos raros, os epítetos supostamente científicos, as citações em língua estranha se destinama deslumbrar o leitor como se fossem uma coleção de pedras brilhantes e preciosas.” (197)

 

– “O prestígio de determinadas teorias que trazem o endosso de nomes estrangeiros e difíceis, e pelo simples fato de o trazerem, parece enlaçar-se estreitamente a semelhante atitude.” (197)

 

– “E também a uma concepção do mundo que procura simplificar todas as coisas para colocá-las mais facilmente ao alcance de raciocínios preguiçosos. (…) a sedução das palavras ou fórmulas de virtude quase sobrenatural e que tudo resolvem de um gesto, como as varas mágicas.” (197)

 

[A MIRAGEM DA ALFABETIZAÇÃO]

 

– Aqui ele critica aqueles que transformam certas soluções numa panacéia capaz de transformar magicamente o país. Uma delas seria a alfabetização, que para alguns seria, caso executada, suficiente para nos alçar à posição de segunda ou terceira potência do mundo. (198)

 

– O autor rebate essa ideia mostrando que a alfabetização não é condição obrigatória para a cultura técnica e capitalista existente nos Estados Unidos, que possui 6 milhões de analfabetos, comparativamente muito mais do que em países menos desenvolvidos. (198)

 

– “Cabe acrescentar que, mesmo independentemente desse ideal de cultura, a simples alfabetização em massa não constitui benefício sem par. Desacompanhada de outros elementos fundamentais da educação, que a completem, é comparável, em certos casos, a uma arma de forgo posta nas mãos de um cego.” (199)

 

[O DESENCANTO DA REALIDADE]

 

– “Quando se fez a propaganda republicana, julgou-se, é certo, introduzir, com o novo regime, um sistema mais acorde com as supostas aspirações da nacionalidade: o país ia viver finalmente por si, sem precisar exibir, só na América, formas políticas caprichosas e antiquadas; na realidade, porém, foi ainda um incitamento negador que animou os propagandistas: o Brasil devia entrar em outro rumo, porque ‘se envergonhava’ de si mesmo, de sua realidade biológica. Aqueles que pugnaram por uma vida nova representavam, talvez, ainda mais do que seus antecessores, a ideia de que o país não pode crescer pelas suas próprias forças naturais: deve formar-se de fora para dentro, deve merecer a aprovação dos outros.” (199)