/RESUMO DE RAÍZES DO BRASIL – Capítulo 7: Nossa revolução

RESUMO DE RAÍZES DO BRASIL – Capítulo 7: Nossa revolução

AULA 12 – LENDO A HISTÓRIA DO BRASIL – Prof. Marcos Alvito – 17/09/18

Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Hollanda – trechos importantes

Capítulo VII: Nossa revolução (coloquei alguns conceitos em negrito; entre colchetes estão os subtítulos que o próprio autor deu)

[AS AGITAÇÕES POLÍTICAS NA AMÉRICA LATINA]

– Para ele, a partir da Abolição e da instituição do regime republicano, ter-se-ia operado “uma revolução lenta, mas segura e concertada, a única que, rigorosamente, temos experimentado em toda a nossa vida nacional.” (203)

– “A grande revolução brasileira não é um fato que se registrasse em um instante preciso; é antes um processo demorado e que vem durando pelo menos há três quartos de século. (…) Se em capítulo anterior se tentou fixar a data de 1888 como o momento talvez mais decisivo de todo o nosso desenvolvimento nacional, é que a partir dessa data tinham cessado de funcionar alguns dos freios tradicionais contra o advento de um novo estado de coisas, que só então se faz inevitável.” (204)

[IBERISMO E AMERICANISMO]

– “Efetivamente daí por diante estava melhor preparado o terreno para um novo sistema, com seu centro de gravidade não já nos domínios rurais, mas nos centros urbanos. (…) Ainda testemunhamos presentemente, e por certo continuaremos a testemunhar durante largo tempo, as ressonâncias últimas do lento cataclismo, cujo sentido parece ser o do aniquilamento das raízes ibéricas de nossa cultura para a inauguração de um estilo novo, que crismamos talvez ilusoriamente de americanismo, porque seus traços se acentuam com maior rapidez em nosso hemisfério.” (204)

– “As cidades, que outrora tinham sido como complementos do mundo rural, proclamaram finalmente sua vida própria e sua primazia.” (…) “Houve o definhamento das condições que estimularam a formação entre nós de uma aristocracia rural poderosa e de organizações não urbanas dotadas de economia autônoma.” (205)

[DO SENHOR DE ENGENHO AO FAZENDEIRO]

– “É interessante notar que o desaparecimento progressivo dessas formas tradicionais coincidiu, de modo geral, com a diminuição da importância da lavoura do açúcar, durante a primeira metade do século passado [i.e. séc. XIX], e sua substituição pela do café.”

– O cafeeiro seria considerado pelo historiador H. Handelmann uma planta democrática em comparação com a cana, porque “seu cultivo – afirma – não exige tamanha extensão de terreno nem tamanho dispêndio de capitais; o parcelamento da propriedade e a redução dos latifúndios operam-se mais facilmente com sua difusão, tudo isso contribuindo para o bem geral.” (206)

– Apesar disso, na província do Rio de Janeiro, sobretudo no Vale do Paraíba, as fazendas de café seguiam o molde tradicional da lavoura cafeeira. Mas no Oeste da província de São Paulo são adotadas, a partir de 1840, novas formas de exploração agrária, passando-se do senhor de engenho ao fazendeiro, para quem a terra não é mais o seu mundo e sim seu meio de vida. Além disso, “A fazenda resiste com menos energia à influência urbana, e muitos lavradores passam a residir permanentemente nas cidades. Decai rapidamente a indústria caseira e diminuem em muitos lugares as plantações de mantimentos, que garantiam outrora certa autonomia à propriedade rural.” (206-207)

– “Cumpre relacionar esse fenômeno, até certo ponto, com a carência de braços, já que os efeitos da extinção do tráfico negreiro correspondem cronologicamente à maior expansão da lavoura de café.” (207)

– A inaudita riqueza proporcionada pelos cafezais era uma razão poderosa para que os fazendeiros concentrassem seus esforços no café. (207)

[O APARELHAMENTO DO ESTADO NO BRASIL]

– “o desenvolvimento das comunicações, sobretudo das vias férreas, que procuravam de preferência as zonas produtoras de café, iriam acentuar e facilitar a relação de dependência entre essas áreas rurais e as cidades. Simplificando-se a produção, aumentou, por conseguinte, a necessidade do recurso aos centros urbanos distribuidores dos mantimentos, que outrora se criavam no próprio lugar.” (208)

– “O desaparecimento do velho engenho, engolido pela usina moderna, a queda de prestígio do antigo sistema agrário e a ascensão de um novo tipo de senhores de empresas concebidas à maneira de estabelecimentos industriais urbanos indicam bem claramente em que rumo se faz essa evolução.” (209)

– Em suma: foi alijada do poder a classe senhorial que antes dominara a política do Império, enfraquecida pela baixa dos preços do açúcar no mercado mundial, pela aboliçãoe pela urbanização progressiva. (209)

– O Estado brasileiro foi plasmado no período imperial, na ideia de “um gigante cheio de bonomia superior para com todas as nações do mundo.” (210)

– “Não ambicionamos o prestígio de país conquistador e detestamos notoriamente as soluções violentas. Desejamos ser o povo mais brando e comportado do mundo. (…) Fomos das primeiras nações que aboliram a pena de morte em sua legislação, depois de a termos abolido muito antes na prática.” (211)

[POLÍTICA E SOCIEDADE]

– “Um publicista ilustre fixou, há cerca de vinte anos, o paradoxo de tal situação. ‘A separação da política e da vida social’, dizia, ‘atingiu, em nossa pátria, o máximo de distância.” (211)

– Têm sido tentadas duas saídas pelos reformadores, “ambas igualmente superficiais e enganadoras.” A primeira tem sido a substituição dos detentores do poder público, o que constitui “um remédio aleatório, quando não precedida e até certo ponto determinada por transformações complexas e verdadeiramente estruturais na vida da sociedade.” (212)

– O outro falso remédio está em promulgar leis ou regulamentos “em acreditar que a letra morta pode influir por si só e de modo enérgico sobre o destino de um povo. A rigidez, a impermeabilidade, a perfeita homogeneidade da legislação parecem-nos constituir o único requisito obrigatório da boa ordem social. Não conhecemos outro recurso.” (212)

– As nações ibero-americanas: “cuidaram elas em adotar, como base de suas cartas políticas, os princípios que se achavam então na ordem do dia. As palavras mágicas Liberdade, Igualdade e Fraternidade sofreram a interpretação que pareceu ajustar-se melhor aos nossos velhos padrões patriarcais e coloniais, e as mudanças que inspirararam foram antes de aparato que de substância.” [Machado satiriza essa inadequação em “O Alienista”] (213)

[O CAUDILHISMO E SEU AVESSO]

– “Se o processo revolucionário a que vamos assistindo, e cujas etapas mais importantes foram sugeridas nestas páginas, tem um significado claro, será este o da dissolução lenta, posto que irrevogável, das sobrevivências arcaicas, que o nosso estatuto de país independente até hoje não conseguiu extirpar. Em palavras mais precisas, somente através de um processo semelhante teremos finalmente revogada a velha ordem colonial e patriarcal, com todas as consequências morais, sociais e políticas que ela acarretou e continua a acarretar.” (214-215)

[UMA REVOLUÇÃO VERTICAL]

– A revolução horizontal seria um ‘simples remoinho de contendas políticas’, no dizer de Herbert Smith. Já uma revolução vertical seria realmente transformadoras trazendo “à tona elementos mais vigorosos, destruindo para sempre os velhos e incapazes.” (215)

[AS OLIGARQUIAS: PROLONGAMENTO DO PERSONALISMO NO ESPAÇO E NO TEMPO]

– “Contra sua cabal realização é provável que se erga, e cada vez mais obstinada, a resistência dos adeptos de um passado que a distância já vai tingindo de cores idílicas. Essa resistência poderá, segundo seu grau de intensidade, manifestar-se em certas expansões de fundo sentimental e místico limitadas ao campo literário, ou pouco mais. Não é impossível, porém, que se traduza diretamente em formas de expressão social capazes de restringir ou comprometer as esperanças de qualquer transformação profunda.” (216)

– “a ausência de verdadeiros partidos não é entre nós, como há quem o suponha singelamente, a causa de nossa inadaptação a um regime legitimamente democrático, mas antes um sintoma dessa inadaptação.” (218)

– “Podemos organizar campanhas, formar facções, armar motins, se preciso for, em torno de uma ideia nobre. Ninguém ignora, porém, que o aparente triunfo de um princípio jamais significou no Brasil – como no resto da América Latina – mais do que o triunfo de um personalismo sobre o outro.” (218)

– “É inegável que em nossa vida política o personalismo pode ser em muitos casos uma força positiva e que ao seu lado os temas da democracia liberal parecem conceitos puramente ornamentais ou declamatóros, sem raízes fundas na realidade.” (218)

– “Isso explica como, entre nós e, em geral, nos países latino-americanos, onde quer que o personalismo – ou a oligarquia, que é o prolongamento do personalismo no espaço e no tempo – conseguiu abolir as resistências liberais, assegurou-se, por essa forma, uma estabilidade política aparente, mas que de outro modo não seria possível.” (218-219)

– “os regimes discricionários, em mãos de dirigentes ‘providenciais’ e irresponsáveis, representam, no melhor caso, um disfarce grosseiro, não uma alternativa, para a anarquia. A ideia de uma espécie de entidade imaterial e impessoal, pairando sobre os indivíduos e presidindo os seus destinos, é dificilmente inteligível para os povos da América Latina.” (219)

[A DEMOCRACIA E A FORMAÇÃO NACIONAL]

– “Apesar de tudo, não é justo afiançar-se, sem apelo, nossa incompatibilidade absoluta com os ideais democráticos. Não seria mesmo difíl acentuarem-se zonas de confluência e de simpatia entre esses ideais e certos fenômenos decorrentes das condições de nossa formação nacional. Poderiam citar-se três fatores que teriam particularmente militado em seu favor, a saber:

1) a repulsa dos povos americanos, descendentes dos colonizadores e da população indígena, por toda hierarquia racional, por qualquer composição da sociedade que se tornasse obstáculo grave à autonomia do indivíduo;

2) a impossibilidade de uma resistência eficaz a certas influências novas (por exemplo, do primado da vida urbana, do cosmopolitismo), que, pelo menos até recentemente, foram aliadas naturais das idéias democrático-liberais;

3) a relativa inconsistência dos preconceitos de raça e de cor.” (219-220)

– “as ideias da Revolução Francesa encontram apoio em uma atitude que não é estranha ao temperamento nacional. A noção da bondade natural combina-se singularmente com o nosso já assinalado ‘cordialismo’. (…) é aqui que o nosso ‘homem cordial’ encontraria uma possibilidade de articulação entre seus sentimentos e as construções dogmáticas da democracia liberal.” (220)

– Todavia, a ideia da bondade natural do homem é apenas um argumento numa teoria neutra, “despida de emotividade” ao contrário do ‘cordialismo’. (220)

– A contradição: “Todo o pensamento liberal-democrático pode resumir-se na frase célebre de Bentham: ‘a maior felicidade para o maior número’. Não é difícil perceber que essa ideia está em contraste direto com qualquer forma de convívio humano baseada nos valores cordiais. Todo afeto entre os homens funda-se forçosamente em preferências. Amar alguém é amá-lo mais do que os outros.” (220-221)

– “A benevolência democrática é comparável nisto à polidez, resulta de um comportamento social que procura orientar-se pelo equilíbrio de egoísmos.” (221)

– “um amor humano sujeito à asfixia e morte fora de seu círculo restrito não pode servir de cimento a nenhuma organização humana concebida em escala mais ampla. Com a simples cordialidade não se criam os bons princípios. É necessário algum elemento normativo sólido, inato na alma do povo, ou mesmo implantado pela tirania, para que possa haver cistalização social. (…) existem outros remédios, além da tirania, para a consolidação e estabilização de um conjunto social e nacional.” (221)

– Nossos políticos, após 1817 e 1822, “preferiram esquecer a realidade, feia e desconcertante, para se refugiarem no mundo ideal de onde lhes acenavam os doutrinadores do tempo. Criaram asas para não ver o espetáculo detestável que o país lhes oferecia.” (222)

[AS NOVAS DITADURAS]

– Políticos realistas e oportunistas afirmam agir segundo critérios morais “alguns ficariam sinceramente escandalizados se lhes dissessem que uma ação moralmente recomendável pode ser praticamente ineficaz ou nociva. Não faltam exemplo de ditadores que realizam atos de autoridade perfeitamente arbitrários e julgam, sem embargo, fazer obra democrática.” (222)

– “Não é impossível, pois, que o fascismo de tipo italiano, a despeito de sua apologia da violência, chegue a alcançar sucesso entre nós.” (222)

– No caso do fascismo à brasileira, representado pelo integralismo, quase não há agressividade e sim “pobres lamentações de intelectuais neurastênicos” (223)

– “a variedade brasileira ainda trouxe a agravante de poder passar por uma teoria meramente conservadora, empenhada no fortalecimento das instituições sociais, morais e religiosas de prestígio indiscutível, e tendendo, assim, a tornar-se praticamente inofensiva aos poderosos, quando não apenas o seu instrumento.” (223)

[PERSPECTIVAS]

– “Se no terreno político e social os princípios do liberalismo têm sido uma inútil e onerosa superafetação, não será pela experiência de outras elaborações engenhosas que nos encontraremos um dia com a nossa realidade. Poderemos ensaiar a organização de nossa desordem segundo esquemas sábios e de virtude comprovada, mas há de restar um mundo de essências mais íntimas que, esse, permanecerá sempre intacto, irredutível e desdenhoso das invenções humanas.” (224)