/SENTIMENTO DO MUNDO – A apropriação do território em Itabira, tomado aos índios e as questões de consciência de Drummond

SENTIMENTO DO MUNDO – A apropriação do território em Itabira, tomado aos índios e as questões de consciência de Drummond

“A matéria primal da história itabirana relaciona-se com a apropriação do território, tomado aos índios sob a sombra majestática da montanha, no distante mato-dentro, e convertida pelos colonizadores ditos ancestrais do poeta em marco de posse e ornamento soberano da paisagem:
‘Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.
Era coisa de índios e a tomamos
para enfeitar e presidir a vida
neste vale soturno onde a riqueza
maior é a sua vista a contemplá-la’.
Outros poema de Boitempo expõem as violências do regime de mando decorrente da operação de posse e de sua sustentação, o que não impede a identificação do sujeito com o passado senhorial, do qual o pico do Cauê pode ser visto como uma espécie de totem (no caso do poema, e frente à violência da devastação posterior, a identificação com o passado familiar dá o tom). Mas as oscilações culposas envolvendo o vínculo de classe, o trabalhoso
42: rompimento com a origem oligárquica e a impossibilidade de fazê-lo completamente, de extinguir o sintoma, numa continuada luta mortal e amorosa com a figura do pai, atravessam a obra de Drummond como questão crucial. Fique claro que a potência dessa poesia reside em, entre outras coisas, expor suas contradições de maneira reflexiva e conflituada, fazendo-se campo de uma implacável autoanálise que resulta na emergência de efeitos lancinantes de um real do sujeito e da sociedade.”
(pp. 41-42)