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Touch a beira mar

TOUCH À BEIRA-MAR

 

Não consegui jogá-la fora. A boqueira de plástico preto que eu usava para proteger meus dentes nos jogos da UFF Rugby. Nesses 13 anos eu ganhei uma filha, mudei de casa três vezes, vivi um ano na Inglaterra, lancei três livros, obtive a alforria da vida universitária, perdi meus pais, vi meu filho realizar seu sonho de entrar na Faculdade de Medicina, fui ao Recôncavo aprender samba de roda, viajei ao sertão de Guimarães Rosa, vivi muitas aventuras e desventuras.

 

Mas não consegui jogar minha boqueira fora. Porque esse pequeno objeto representa uma das épocas mais felizes da minha vida, quando eu era um dos quero-queros da UFF. Neste sábado, levei minha boqueira para conhecer os novos quero-queros. Notamos neles e nelas o mesmo espírito de união, de humildade e de alegria de nós, querossauros. Nosso grande capitão, Carlos, um leão dentro de campo, fora dele é de uma humildade e de uma gentileza franciscanas, de emocionar. Mateus Peluso, outro grande jogador, organizou o churrasco de forma impecável e fez todos se sentirem em casa com sua simpatia e generosidade. É um daqueles que sorri do fundo da alma com os olhos. Sunshine apareceu com a tíbia quebrada mas com a alegria inteira. Muitos colaboraram para fazer uma grande festa celebrando nossos 13 anos.

 

Houve um animado sorteio de livros, embora a obra seja de qualidade duvidosa. Foi uma ocasião aproveitada por mim para saudar o fundador da UFF Rugby, o grande Juan Manuel Pardal. Em um breve mas como sempre sábio discurso, ele lembrou o mais importante: união, humildade e respeito. Havia tantos veteranos que parecia o Parque dos Dinossauros, mas todos eles com o entusiasmo de meninos ao verem a bola e serem convidados para uma partida de touch. Dois deles também foram homenageados com toda a justiça. A começar por Klaxton, nossa versão de The Rock, que há 13 anos defende a UFF Rugby com a raça de um quero-quero zangado. E Paulo “Monkey” Kneip, lenda do rugby, que também esteve presente desde os primórdios e que aos 48 anos já anunciou que vai jogar até quando deixarem.

 

As conversas foram deliciosas. Bruno “Monstro” lembrou do seu primeiro dia na UFF Rugby e de como ele aprendeu a passar com um menino de 10 anos chamado Heitor Alvito. Bruno conta que ele pensou em fazer um time em Cachoeira de Macacu e quando disse isso a Juan, receber como resposta uma bola para começar. O time de Cachoeira de Macacu existe até hoje. Um dia ainda vamos fazer um amistoso ma non troppo, afinal isso aqui é rugby. Henrique “Mineiro” veio de Juiz de Fora, trazendo a esposa, que disse estar até com inveja daquela felicidade do nosso grupo. Disse a ela que não havia necessidade, pois agora ela também era da UFF Rugby. Ela retrucou dizendo que era somente do Henrique, isto sim. Dei o xeque-mate: o Henrique é nosso, você é dele, portanto você é nossa também. Só queria dizer que o carinho que temos pelo Mineiro também se estende a ela.

 

Isso exemplifica algo óbvio: muitos dos nossos jogadores e jogadoras vindos de fora do Rio e de Niterói encontram na UFF Rugby uma família. Henrique não fez a viagem de Juiz de Fora à toa. Acredite se quiserem, mas hoje temos dois quero-queros japoneses, um rapaz e uma moça. Estavam ambos lá, com aquela educação, simpatia, delicadeza e o inigualável sorriso nipônico.

 

Agora quero falar das nossas meninas. Tivemos a presença encantadora de duas veteranas que praticamente criaram nosso time feminino: Luciana e Lilian, devidamente homenageadas por Juan no seu discurso. Luciana eu vi treinar conosco desde o início, juntamente com Moranguinho e outras, sem as quais nem teríamos gente suficiente para um treino de seven. E muito mais: Luciana e as outras meninas eram jogadoras há muito mais tempo, elas nos ensinaram muitas técnicas com generosa paciência. O DNA da UFF Rugby já nasceu completo, com a parte feminina e a masculina. As meninas do time de hoje presentes eram muitas, formando um grupo muito animado e feliz, o que sem dúvida deve se refletir em campo em uma equipe unida, solidária e forte. Ana, uma dessas meninas, veio conversar comigo e fiquei impressionado com a seriedade do planejamento que ela sonha para nosso clube.

 

A história mais bonita da noite. Carlos, nosso capitão, aproxima-se de Juan e de mim e nos agradece por nossa presença e de todos os querossauros, sem os quais, não existiria o time, não existiria nada daquilo. Ele estava emocionado. Juan, com a dignidade habitual lembrou que “a bola é de quem vem” e que ele, Carlos, e seus companheiros, são tão importantes quanto nós. Agora a bola está com eles. Literalmente falando, porque eu levei a primeira bola da UFF Rugby, a bola do primeiro try. E a entreguei ao nosso capitão solenemente, lembrando a ele que ela deveria ser passada ao próximo capitão. Foi lindo ver o nosso time feminino tirar uma foto em torno da nossa primeira bola na maior alegria. Até a bola estava feliz.

 

Naquele touch despretensioso à beira-mar, quero-queros e querossauros, homens e mulheres, passavam a bola ovalada numa brincadeira ritual. Simbolizavam perfeitamente a corrente de dons continuamente trocados a engendrar relações de respeito, amizade e carinho chamadas por nós de UFF Rugby.

 

Juan me disse que o mais bacana é ver um filho crescer e se tornar independente.

 

Mais do que crescer, Juanito, voar!!!

 

 

 

 

P.S: Assim como não é possível colocar todo mundo em campo, também não é possível citar a todos em um texto desta natureza, pelo que peço humildes desculpas. Mas agradeço de coração a todos que estiveram lá. Fica o meu abraço e o meu carinho.

 

PPS: Carlos e Peluso, meninos e meninas, vamos já programar o próximo!!! Marcando com antecedência haverá uma revoada de querossauros vindos dos quatro cantos do planeta para jogar touch no nosso venerável gramado à beira-mar.

 

 

PPPS: Foto tirada por nosso polivalente e incansável Klaxton

 

PPPPS: Ainda tenho umas surpresinhas guardadas para vocês, quero-queros…