PROJETO
O Urucuia é o meu rio* e
o Grande sertão é a minha casa
Coordenação: Professor Marcos Alvito
Agosto de 2021
Urucuia – Minas Gerais
*frase de Riobaldo em Grande sertão: veredas
Introdução
A primeira coisa que fiz ao me aposentar da universidade em agosto de 2016 foi pegar o carro no Rio de Janeiro e viajar mais de mil quilômetros, em dois dias, até a cidade de Urucuia. Na verdade, o meu interesse era no rio, o rio preferido por Riobaldo e tão mencionado por ele, que certa vez afirma “Urucuia é o meu rio”, e em outra passagem: “meu, em belo, é o Urucuia, paz das águas… É vida!…”. Há quem diga que a cor das águas do Urucuia simboliza os “esmerados esmartes olhos, botados verdes” de Diadorim. E há também o fato, relatado pela filha mais velha de Guimarães Rosa, Vilma, de que o bebê Joãozito Guimarães Rosa foi batizado com água do rio Urucuia.
É na região do Urucuia, para ele mais próxima do céu e de Deus, que Riobaldo sonha ver erguida:
“uma igreja grande, brancas torres, reinando de alto sino, no estado do Chapadão. Como que algum santo ainda não há de vir, das beiras deste meu Urucúia?”
Para mais detalhes acerca desta relação especial entre Riobaldo e o rio Urucuia, basta ouvir o episódio #009 do Urucuia podcast que anexei a esta mensagem, intitulado: “Urucuia: o rio de amor de Riobaldo”.
Acontece que o último curso que ofereci na universidade foi exatamente sobre Grande sertão: veredas, por isso a minha enorme vontade de conhecer o “rio de águas claras certas”. Ao me banhar no Urucuia, senti-me também em uma cerimônia de batismo, não o batismo cristão, mas o batismo rosiano. E de lá para cá, cinco anos depois, nada mais tenho feito senão estudar Grande sertão: veredas e dar cursos livres sobre a obra, hoje em dia através do Zoom. Parece o mergulho nas águas do Urucuia tem mesmo poder, pelo menos para quem tem fé na arte.
Em 2019 retornei à cidade de Urucuia e ao seu rio. Conversei com pessoas, fiz algumas amizades. Voltei a passear no rio Urucuia, tirei fotos da fauna, sobretudo dos lindos pássaros: gavião-caboclo, gavião-belo, papagaio verdadeiro entre outros. Enfim, fui me encantando mais e mais com a terra antes chamada de Porto de Manga.
Um dia, passeando sem rumo, para conhecer melhor as ruas, me deparei com a Biblioteca Municipal, que tem o nome de Guimarães Rosa. Entrei, conversei um pouco com a gentil bibliotecária que me mostrou as obras do autor existentes no acervo. Não havia nenhum exemplar, todavia, da obra-prima de Guimarães Rosa. Não que isso fosse um fato extraordinário, não é essa a questão.
Aquela ausência, entretanto fez nascer uma ideia. Sou um professor apaixonado por minha profissão. Que tal se eu voltasse ao Urucuia para dar um curso introdutório de Grande sertão: veredas para professores, estudantes e pessoas interessadas? Foi daí que começou a ser sonhado este projeto que agora apresento. Ele estava na minha mente há anos, mas somente agora tenho plena liberdade para me dedicar ao seu planejamento e execução. Tenho quase quarenta anos de magistério — que completarei, se os deuses forem bons, em 2022. Mas quando penso em ir a Urucuia para apresentar aos jovens da cidade a obra de Guimarães Rosa, minha alegria é tão grande quanto a de Riobaldo navegando no de-Janeiro com Diadorim menino à sua frente, tão ansioso pelas novidades e descobertas quanto “pinto em ovo”.
Justificativa
Há uma enorme discrepância entre dois fatos. Por um lado, a literatura de Guimarães Rosa, especialmente Grande sertão: veredas, se tornou um patrimônio nacional e mundial. Há milhares de títulos acerca da obra, montante que não para de aumentar a cada ano, sem falar em filmes, ensaios fotográficos (sobre o sertão rosiano), peças de teatro de grande sucesso (como a versão de Bia Lessa), histórias em quadrinhos, artes plásticas etc. O livro foi traduzido para inúmeras línguas e no momento em que você lê estas palavras a história de Diadorim e Riobaldo poderá estar sendo desfrutada em inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, holandês… No mundo todo, acadêmicos oferecem cursos, organizam simpósios, elaboram novas teorias. O interesse que a obra desperta é cada vez maior.
Por outro lado, nas cidades do sertão mineiro, cenário imortalizado pela obra, Grande sertão: veredas é muito pouco utilizado em seu potencial cultural, educacional, artístico, turístico e econômico. Você chega em Itacambira, onde Diadorim foi batizado na belíssima matriz datando do século XVIII e não há uma placa. Pergunta aos moradores e quase ninguém ouviu falar no nome de Diadorim. A mesma coisa em São Francisco ou Januária, cidades citadas dezenas de vezes no livro. Foi o que pude comprovar em minhas viagens.
Como exceções a esta regra eu citaria três cidades do que chamo o “Triângulo rosiano”: Andrequicé (distrito de Três Marias), Cordisburgo (terra natal do escritor) e Morro da Garça. Andrequicé, localidade que é mencionada apenas uma vez no livro, é famosa hoje por ter sido a residência de Manuel Nardy, o famoso Manuelzão, nos seus últimos vinte anos de vida. Embora ele tenha falecido em 1997, parece ser a alma de Andrequicé. Sua pequena e simpática casa virou um museu. Ao lado, o grupo das bordadeiras de Andrequicé faz trabalhos inspirados em trechos das obras de Guimarães Rosa, não havendo turista que resista a comprar uns bordados para a sua casa ou para dar de presente. O Centro Cultural, onde há reuniões, ensaios, apresentações e sessões de cinema, é claro que leva o nome de Manuelzão. E até as campanhas educativas colocam fotos de Manuelzão como chamariz. Andrequicé não tem mais do que duas mil pessoas, contando a população que vive no campo. Mas não há rosiano que viaje para o sertão que deixe de ir lá. Onde se hospeda, faz suas refeições, paga a entrada do museu, compra presentes. Eu mesmo lá estive em 2016 e 2019, deixando minha modesta contribuição pecuniária para o distrito de Manuelzão. Ao contrário de Itacambira ou São Francisco, em Andrequicé não há quem não tenha pelo menos ouvido falar em Guimarães Rosa e em Grande sertão: veredas.
A segunda ponta do Triângulo rosiano é Morro da Garça. Curiosamente, esta cidade nem mesmo é citada em Grande sertão: veredas, mas seu morro parecido com uma pirâmide do sertão está no centro de uma novela de Corpo de Baile: “O recado do morro”. Foi o que bastou para que a secretária de Cultura criasse uma Semana rosiana que ocorre anualmente e congrega apresentações de diversos tipos: encenações de “O recado do Morro”, subida ao Morro da Garça propriamente dito com declamação de trechos da obra de Rosa, palestras com especialistas acerca da destruição do cerrado e sobre temas relativos à obra de Guimarães Rosa. Estive lá em 2015 e vi pessoas vindas de vários locais do Brasil, com predominância para paulistas e mineiros de Belo Horizonte, além de um eventual carioca feito eu. Além disso, recentemente a prefeitura local criou o “Circuito turístico Guimarães” e o festival “Sertão, saber e sabor”, o qual, nas palavras dos seus criadores:
“O Festival visa à implementação, ampliação e fortalecimento das ações culturais realizadas no município e à promoção das tradições locais em diálogo com o mundo contemporâneo.
O festival tem como foco principal Oficinas de Gastronomia, com pratos típicos e quitandas, mostra e degustação dos pratos trabalhados; oficina de vestuário com peças utilizando tecidos confeccionados em tear; oficinas de dança e música visando a integração, socialização e fortalecimento do interesse das crianças, adolescentes e jovens pela arte e cultura e tradições locais.”
Como se vê, não se pode dizer que a cidade de Morro da Garça não esteja aproveitando ao máximo a sua ligação com a obra de Guimarães Rosa.
Por fim, o exemplo mais perfeito de plena utilização da relação com Guimarães Rosa está na terra do seu nascimento, Cordisburgo. O escritor ficaria encantado se caminhasse pelas ruas do burgo onde nasceu. Veria a casa de sua família, onde ficava também o armazém do seu pai, Seu Fulô, ser transformada em um museu extremamente bem pensado e cuidado, hoje o mais visitado do Estado de Minas Gerais. A poucos metros dali, esbarraria na Loja do Brasinha, a única loja do mundo que nada vende, apenas acumula e expõe objetos da vida cotidiana de várias gerações do sertão. Se conversasse com Brasinha, Rosa conheceria alguém que não somente leu toda a sua obra, mas que também visitou todo o sertão rosiano. Brasinha organiza um grupo chamado Caminhos do sertão, que a cada ano apresenta um trecho de uma obra rosiana em um cenário natural para onde as pessoas vão caminhando. Claro que Rosa também adoraria ouvir os debates e apresentações da semana rosiana que anualmente ali se realiza e para a qual são chamados grandes especialistas na sua obra. Ou talvez ficasse encantado em ouvir uma apresentação do grupo Miguilim, composto de pré-adolescentes e adolescentes que recebem uma formação que lhes permite declamar os mais lindos trechos da obra de Guimarães Rosa. É bem possível que almoçasse, glutão que era, no excelente Sarapalha, nome de uma melancólica novela de Sagarana.
Creio que o meu argumento já está claro. Há um enorme potencial a ser utilizado pelas cidades e regiões do sertão mineiro que constituem o cenário do livro. E Urucuia, dentre elas, é uma das que apresenta as maiores possibilidades de desenvolvimento de ações nesse sentido. Vamos então ao projeto.
Explicando o projeto “O Urucuia é o meu rio, o Grande sertão a minha casa”
Nada sei acerca de turismo ou economia, mas enquanto educador me proponho a contribuir no que diz respeito a cultura e educação. Não há como querer transformar Urucuia em um pólo de turismo literário sem que ao menos uma parcela significativa da população, penso nos jovens, tenha um conhecimento mínimo da obra de João Guimarães Rosa e da importância que o rio Urucuia desempenha no livro.
Para isso, a minha proposta é simples: em agosto de 2021 oferecer um curso acerca de Grande sertão: veredas na cidade de Urucuia. Na verdade, seria o mesmo curso para duas turmas diferentes: uma composta por alunos da Escola Estadual Antonio Esteves dos Anjos e outra por professores de Urucuia e região. Conforme conversa realizada com a diretor da escola, Professora Márcia Cristina Pereira da Silva, juntamente com quatro outras professoras (Célia, Marley, Leninha e Francisca), o melhor horário para a primeira turma seria às 3as. e 5as. feiras de 17:30-19 horas. As aulas para os professores e professoras seriam aos sábados, de 9 às 12 horas.
Há cinco anos venho oferendo cursos de leitura deste livro e já elaborei um material didático que facilita a travessia das suas páginas. Começarei o curso com uma palestra aberta sobre Os rios em Grande sertão: veredas – especialmente o Urucuia.
A proposta, que foi adotada nos grupos anteriores, é fazer a leitura e o comentário parágrafo a parágrafo de trechos selecionados. Guimarães Rosa Rosa dizia que o leitor tem que ruminar o texto, nada de comer o capim e sair correndo feito um cavalo. Começo lendo e interpretando, depois os alunos também lêem e por fim também interpretam a obra. Buscarei ao máximo a participação de alunos e alunas.
Durante a leitura forneço o vocabulário pesquisado no Léxico de Guimarães Rosa, no Aurélio, no Houaiss e em outras fontes.
Forneço materiais didáticos:
1. Mapas para localizar rios, cidades e as andanças de Riobaldo pelo sertão;
2. Dicas de como ler o livro;
3. Bibliografia: os principais títulos da fortuna crítica;
4. Esquemas para facilitar a compreensão da ordem dos acontecimentos (que no livro estão embaralhados);
5. Vídeos com especialistas falando da obra; inclusive uma série de vídeos meus acerca da obra e que estão no Youtube: PEDACINHOS DE ROSA – Sobre Grande sertão: veredas – YouTube
6. Episódios do podcast que criei para ajudar a ler Grande sertão: veredas, o Urucuia podcast: URUCUIA – Aprendendo a ler Grande sertão: veredas (podbean.com)
7. Todos os materiais de um livro que estou preparando: Caminhando no Grande sertão: um manual para ler Grande sertão: veredas, incluindo o resumo-comentário de todos os parágrafos do livro.
Mas o mais importante mesmo é a sala de aula. É nela que caminharemos passo a passo para que cada um possa construir sua interpretação da obra.
Em termos operacionais seria ótimo dispor de um DataShow, mas isto não é imprescindível. Alternativamente, bastaria fazer cópias de mapas e outros materiais didáticos para distribuí-los aos alunos e alunas.
Uma questão a resolver: cada um dos alunos tem que ter um exemplar do livro, para acompanhar as aulas e para ler em casa. Este projeto está sendo enviado à Companhia das Letras, que atualmente edita o livro. Para um detalhamento da proposta de parceria com a editora, ver Anexo.
Ao final do curso, pretendo alcançar alguns objetivos:
1. Tornar os alunos e alunas da turma capazes de ler na íntegra e interpretar em toda a sua riqueza uma obra-prima da literatura brasileira e mundial; isso implica no desenvolvimento da capacidade de leitura e compreensão literária como um todo;
2. Enriquecimento do vocabulário;
3. Fortalecimento da identidade cultural sertaneja, através da percepção da riqueza cultural da região em que habitam;
4. Valorização do rio Urucuia, laço maior da cidade com a obra;
5. Capacitação dos alunos e alunas para a elaboração e participação em projetos futuros ligando a cidade à obra rosiana;
Conforme contato feito com o vereador Dionilson do Nascimento Oliveira (Nilsinho), a Secretária de Cultura, bem como o prefeito do município apoiam o projeto.
Estou à disposição para esclarecer ou ampliar qualquer ponto deste projeto.
Eis os meus contatos: marcosalvito@gmail.com – (21) 972-784-376
um abraço rosiano, maximé!
Marcos Alvito