Homero, o cantor dos comedores de pão
Homero era um cantor. Mas um cantor diferente, que ia emendando e costurando uma canção na outra até formar uma longa história. A ele são atribuídas duas grandes histórias: a Ilíada, que conta parte da Guerra de Tróia e a Odisséia, que conta o retorno de um dos heróis mais importantes, o espertíssimo Odisseus (que costumamos conhecer pelo nome de Ulisses).
Na Grécia antiga, não havia cantor-poeta mais famoso do que Homero. Mesmo depois da morte dele, suas canções continuaram a ser cantadas e cultuadas. Se houvesse uma parada de sucessos, Homero estaria sempre no topo.
Se rap é ritmo e poesia, o primeiro rapper foi Homero. Afinal, Homero não declamava poemas. Ele cantava versos acompanhado de uma cítara, que obviamente marcava o ritmo. E o que ele cantava, há quase 3 mil anos atrás? Assim que o juiz apita e a Ilíada começa, ele não brinca em serviço:
“Canta-me a cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles filho de Peleu
causa que foi de os Gregos sofrerem trabalhos sem conta
e de baixarem para o Hades (Inferno) as almas de heróis numerosos
e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados
e como pasto das aves”
Em apenas cinco versos ele já avisa que o couro vai comer, ou seja, o que ele iria contar seria uma história pesada, difícil, dolorosa até.
Reparar no detalhe de que o aedo estava inspirado por uma deuse, é a Musa que canta, não ele.
Ele avisa que o poema vai ser pauleira, tudo começa com o ódio de Aquiles, que terá consequências funestas para os gregos: guerra, morte, corpos sendo devorados por animais, parece um filme de terror.
E há cenas realmente “sinistras”: uma lança penetra no coração e começa a vibrar na pulsação do órgão cardíaco: TUM-TUM. Que tal esta: uma cabeça é rompida por um golpe e os olhos pulam fora com o impacto. Tem piores: uma lança atravessa o crânio e o cérebro escorre pela lança, o ventre é perfurado e os intestinos saltam para fora e por aí vai.
Tudo isso ocorre bem no meio da Guerra de Tróia, uma parada dura para os gregos, que estavam jogando na casa do adversário. Como todos sabem, reza a lenda que depois de dez anos, os gregos venceram a partida aos 47 do segundo tempo. Tudo graças ao artifício do Cavalo de Tróia, pensado pelo malandro mais escolado do exército grego, que atendia pelo nome de Ulisses.
O bacana é que o poeta-cantor, em suma, o rapper Homero, escolhe não contar a história da vitória grega na Ilíada. É isso mesmo. Até o episódio do Cavalo de Tróia só vai aparecer em outro poema épico, a Odisséia. Se ele contasse a história da guerra estaria louvando a vitória, a superioridade dos gregos, a força, a coragem e finalmente a astúcia. Ele prefere não cantar nem contar vantagem. Claramente escolhe outro caminho. Qual seria?
As pistas são muitas. Para começar, gregos e troianos não apresentam nenhuma diferença. Há heróis admiráveis de ambos os lados. Eles lutam com as mesmas armas, em nome dos mesmos valores. Cultuam os mesmos deuses e falam a mesma língua!
O poeta faz questão de lembrar que o sangue derramado de troianos e gregos misturava-se no solo por igual e compara “as gerações dos mortais” (Il. VI,144-9)
“às folhas das árvores, que, umas,
os ventos atiram no solo, sem vida;
outras, brotam na primavera, de novo, por toda a floresta
viçosa. Desaparecem ou nascem os homens da mesma maneira.”
Ou seja, a grande contraposição do poema-canção elaborado por Homero não diz respeito a gregos e troianos. Ambos são “comedores de pão”, sinônimo de homens, ou seja, mortais, breves e fugazes como as folhas das árvores. A grande oposição, o grande corte é o que existe entre homens e deuses.
Deuses que não comem pão, alimentam-se de ambrosia e bebem néctar ao invés de vinho. Deuses imortais.
Sendo assim, podemos dizer que o tema básico de Homero é a própria Humanidade, nossas fraquezas e limites. Claro que assunto não faltava, não é mesmo?
Em seguida, contaremos algumas histórias cantadas por Homero mais de dois mil anos atrás.