/A menina da Cidade Alta

A menina da Cidade Alta

Morava bem no Alto de Santa Catarina, no número 7 da Travessa do Alcaide. Saía com um vestidinho velho mas bem limpinho e umas sandálias já um pouco pequenas. Descia a Cidade Alta para comprar peixe no Mercado da Ribeira. De passagem, dava uma paradinha no Gigante Adamastor e deixava os olhos correr pelo Tejo. Amava sua cidade. Via os elétricos subindo e descendo, adorava aquele movimento. Uma ou outra vizinha que encontrava no caminho a saudava com simpatia:

– Aonde vai a menina Fernanda tão cedo? Vai comprar peixe para o papai?

Elas já sabiam que na casa dela a cozinheira do dia a dia era a mãe, mas que em dias especiais era ela que preparava o peixe da forma que o pai tanto gostava. Quando ele a via sair com a sacola de compras, revirava os olhos e antecipava o deleite:

– Hoje vou comer bem.

Quase na Cidade Baixa, encostava o narizinho na vitrine de uma livraria, namorando livros que não podia comprar. Anos depois, já adolescente,  um namoradinho que trabalhava em uma livraria passou a emprestar-lhe os livros por um dia, antes que deles dessem falta. O jeito era lê-los noite afora, à luz de velas, porque o pai desligava a energia para fazê-la deitar-se.

Chegar no Rocio sempre era uma emoção, aquela gente toda, todos com pressa, cada um com seu destino. Ela gostava sobretudo de dar uma espiada no Café Nicola, elegante e sempre com gente a conversar. O que será que conversavam? Os pensamentos da menina eram um turbilhão.

Mas a alegria maior era mesmo o Mercado da Ribeira. Os feirantes louvando suas mercadorias, quase que pegando os fregueses e freguesas pela mão.Todas aquelas frutas brilhando ao sol. Os cheiros.

A menina já tinha sua barraca preferida onde era tratada como uma freguesa muito especial. Como não ter carinho por aquela menina tão linda, viva e gentil, de olhinhos inquietos? Ademais, a danadinha conhecia muito de peixe, ninguém a podia enganar, era exigente, queria o melhor. Era bonito vê-la examinando, apalpando os peixes até a firme decisão:

– Seu Carlos, embrulha esse aqui para mim, por favor.

– Sim senhora, Dona Fernandinha, isso vai dar um bom almoço

Foi assim que eu imaginei uma manhã na vida de Fernanda Alvito, minha mãe.