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Histórias do Alvito – BOI E BOLA EM POLAQUIA

Histórias do Alvito
BOI E BOLA EM POLAQUIA
Nunca tinha ouvido falar em Polaquia. Um dia, Fabinho vira para mim, naquele seu jeito de uma alegria contida por uma educação impecável e me avisa que iria disputar a semifinal de uma copa regional de futebol amador. Fabinho é um dos professores da academia de que mais gosto. Já foi jogador profissional e agora se dedica mais à educação física mas continua jogando em equipes não-profissionais. É um volante que joga com suprema elegância, cabeça erguida, bola colada no pé, e só comete faltas quando não há outro jeito.
Então, lá fui eu, domingo depois do almoço para a Sociedade Desportiva e Recreativa Polaquia, em Indaial, um município vizinho de Blumenau. O Waze me aprontou um caminho e tanto. O burrinho teve que subir uma ladeira em uma estrada inacabada que fazia a superfície da lua parecer uma seda. Era feita somente de pedra e brita, rezei para não furar um pneu. Mas depois desse martírio veio a epifania. Teoricamente eu estava na cidade, mas para os dois lados só havia campo verdejante e gado. Pode ter sido uma alucinação, mas acho até que vi uma lhama.
Finalmente cheguei no Polaquia, cercado de montanhas. Depois descobri que o nome do bairro se deve à imigração polonesa, o que explica o nome do clube, que é também o nome do bairro. Além das belas praias, talvez seja esta uma das maiores riquezas de Santa Catarina: a diversidade de culturas. Hoje essa diversidade tende a aumentar, com a chegada de migrantes vindos de diversas partes do Brasil, mas sobretudo do nordeste e do Pará.
Dava para se perceber isso entre os jogadores dos dois times. Sendo o futebol amador praticado sobretudo entre as classes populares, em campo havia uma proporção muito maior de negros e pardos do que encontro no centro de Blumenau, por exemplo. Só os dois técnicos é que eram brancos feito leite e com um jeito de alemães.
Atrás de um dos gols, em uma pequena encosta, havia um boi deitado tranquilamente. Não se perturbou quando os goleiros começaram a se aquecer, mas quando a peleja começou ele subiu mais um pouco, foi para a arquibancada superior, digamos.
A partida foi um massacre. O Juventude de Fabinho, clube de Blumenau, meteu 6×1 no Força Jovem de Timbó. O craque foi o camisa 10, Mateus, rapaz negro com cabelos descoloridos que fez dois belos gols e perturbou incessantemente a defesa adversária. Lá atrás, brilhou Scheidt, um zagueiro sério e aplicado como era de se esperar por conta do nome teutônico.
Um jogo assim, de “várzea” (mesmo que seja numa montanha) é bacana não somente pela (boa) qualidade do futebol. O interessante é prestar atenção nos detalhes: a partida estava sendo transmitida pelo Youtube e havia um locutor com vozeirão que sabia o nome de todos os jogadores. Antes do jogo começar, este locutor fala bem alto para um auxiliar, perto dos árbitros: — Anota o nome deles pra gente poder malhar depois. É um ambiente lúdico bem diferente do futebol profissional.
Não há jogo desses em que o grupo não se abrace formando um círculo. Depois da preleção do treinador, o Pai Nosso é entoado como se fosse um brado de guerra. Agora a bola já pode rolar.
O juiz é um capítulo a parte. Cabeça raspada, ostentava uma barba espessa e volumosa digna de dirigente iraniano. Movia-se feito um rei dentro de campo e dava broncas nos jogadores à torto e à direito. Além disso, avisava aos técnicos quanto a certos procedimentos, alertando: — Vou dar cartão e cartão e depois expulsar.
O jogo não foi violento, mas o futebol, inevitavelmente, é violento. Como estava lá para fotografar o jogo para o meu amigo, percebi algo muito claramente: a quantidade de “duelos”, de confrontos entre dois ou mais jogadores, o que eu procurei capturar. Sem que tivesse sido fruto de maldade, dois jogadores saíram de campo machucados, um deles com o braço direito quebrado.
Mas o mais bacana, o mais bacana mesmo, foi saber que Fabinho e a esposa estão prestes a receber a Aurora. Peço aos deuses que nasça com muita saúde. Alegria, perto do Fabinho, nunca vai faltar.
Foto: Fabinho em ação, arrancando para o ataque.