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Histórias do Alvito – O MENINO E EU

Histórias do Alvito
O MENINO E EU
Meus sete (ou cinco, ou três) leitores e leitoras sabem muito bem que dentro de mim há um Menino de 12 anos. O que vocês não imaginam é o quanto ele apronta, não tem essa de Pequeno Príncipe, é quase um pequeno déspota.
A mim cabem as responsabilidades, a ele, as alegrias. Eu marco e pago o AirBnb, boto gasolina, calibro os pneus do carro, carrego as malas. Somente para ele ir se deliciando com a paisagem, tudo lhe interessa. Parece que nunca viu uma vaca, uma montanha coberta de neblina, uma pessoa andando de bicicleta. Tudo é novo para ele, mas eu não posso prestar muita atenção pra não bater de frente na carreta.
Em sala de aula é a mesma coisa: leio, estudo, preparo a aula, reuno a turma, coordeno as atividades, até que de repente ele esbarra numa palavra, numa imagem, numa cena e dá-lhe de soltar a imaginação, estabelecendo relações imprevistas, contando histórias, citando livros que ele leu por cima do meu ombro.
Quando eu vivia no cativeiro acadêmico, ele sumia na hora de corrigir provas e trabalhos, o negócio dele era inventar novas brincadeiras: como usar músicas, fotos, filmes, charges, textos literários para pensar momentos históricos. Sempre em busca do prazer. Eu era super pontual e responsável, mas quando ia ver ele estava cantando ópera (uma ária de La Bohème), batendo pandeiro, sambando no pé… E era impossível pará-lo quando ele cismava em chorar, já pensou, o professor sério chorando na frente de toda a turma? Coisas dele.
Aliás, assim que passei no concurso e me tornei professor, ele confiscou meus dois primeiros salários para comprar… um video-game.
Quando eu já passava dos quarenta, primeiro ele me fez voltar a jogar botão, me obrigando a treinar por um ano para participar do Campeonato Brasileiro (o danadinho passou da primeira fase). E mostrando que a coerência não é seu forte, no ano seguinte mudou totalmente de esporte e lá fui eu jogar rugby aos 44 anos. Ele adorava e só me permitiu largar depois de três dedos quebrados e de costelas tão avariadas que só me deixaram dormir virado para um lado durante meses.
Tenho de admitir, todavia, que ele me ajudou muito a criar meus filhos. Ou melhor, a brincar com eles. Era ele que ia jogar bola com meu filho no sol de meio-dia. Foi ele que inventou o Monstro Reclamão, o Lobo Lambão e o Urubu Teimoso para eu brincar e encenar peças com minha filha. Certa vez, minha primeira sogra (tive duas, mas disso o Menino não tem culpa) falou de um jeito azedo: — Ao invés de acalmar você agita o meu neto. Se eu dissesse que era culpa do Menino seria pior…
Agora, por exemplo, estou em meio a um programa de auto-flagelação que inclui uma severa dieta e exercícios físicos diários. Ele odeia a musculação, se deixar fica só conversando sobre futebol com os professores. Mas até que gosta da corrida, embora sempre fique pedindo para eu aumentar a velocidade: — Nove só? Tá ficando velho mesmo… O problema mais grave é no que diz respeito à alimentação. Ele não se conforma com o corte do pão, do bolo, da pizza, sem falar no chocolate.
Ameaça até fazer greve e não aparecer mais:
— Sem mim, você perde totalmente a graça .
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