A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE
Era uma noite de sexta-feira de Haloween, e eu estava nos Estados Unidos. Mas bruxas e doces não me interessavam, naquele dia eu só pensava em uma coisa: assistir ao primeiro jogo da NBA da minha vida. Minha relação com o basquete vinha da infância, através do meu pai. Àquela época ele estava vivo e mesmo à distância vibrou sabendo que eu iria assistir ao vivo ao melhor basquete do mundo. Como meu sobrinho João e sua família estavam vivendo em New Jersey, resolvemos todos torcer pelo New Jersey Nets (hoje Brooklyn Nets), um time de pouca expressão na liga. Mas eu, João e Antonio, seu pai, estavavamos dispostos a torcer com o fervor de recém-convertidos pelo Nets.
Chegamos ao ginásio que tinha o nome da companhia aérea patrocinadora: Continental Arena. De fora, parecia majestoso, gigantesco e magnífico. Por dentro então… No imenso hall, luzes, muitas cores e um chão que brilhava feito um espelho. Ao entrar, cada um de nós recebeu uma bolsa de plástico dos Nets e um calendário com a programação de jogos da equipe. Além disso, um programa específico para a partida daquela noite, em que aparecia cada um dos jogadores da equipe e suas estatísticas: idade, altura, minutos, pontos e assistências por jogo.
Parecia uma praça de alimentação de shopping, com direito até a cachorro quente kosher com a inscrição (que parece irônica neste local): “nós obedecemos a uma autoridade maior). No fim das contas, aquilo não é um ginásio nem é uma arena, é mesmo um shopping, o jogo é como se fosse uma sessão de cinema. É vendido como entretenimento, embora para os jogadores seja esporte. Quando se atravessa o túnel e se vê a quadra, ela está iluminada como um palco, além da abundância de cores e sons.
Os dois times já estavam lá embaixo aquecendo. Nós nos dirigimos com frio na barriga para os nossos lugares, lá no topo do mundo, onde ficavam os ingressos mais baratos, de 10 dólares. O estádio, com capacidade para mais de 20 mil pessoas, estava cheio mas não lotado e abaixo de nós havia dezenas de lugares livres. Antonio me avisou que não seria nada apropriado se ocupassemos as cadeiras mais abaixo de nós, mesmo sem ninguém lá. Simplesmente não se faz isso aqui. OK. Iríamos ver tudo do alto. A verdade é que nossos assentos também eram estofados e permitiam uma boa visão do jogo.
Antes do jogo começar parece uma discoteca, só toca “pancadão”: James Brown, Spice Girls (à época no auge) etc. A acústica é perfeita: é lógico que isso foi pensado, planejado, medido e executado. Havia vários placares. O mais impressionante era o cubo suspenso do alto que nos seus quatro lados dava o placar, mostrava fotos dos jogadores e, durante o jogo, dá o replay das jogadas mais importantes e/ou bonitas. Havia também um placar menor fornecendo os resultados de todas as partidas da NBA daquela noite.
Tudo se inicia com uma menina, dona de um vozeirão, cantando o famoso Stars and Stripes, o hino dos Estados Unidos da América, tradição em todos os esportes neste país profundamente nacionalista.
A luz da arena é apagada e fazem projeções com o escudo dos Nets, sonzão, o que parece ser explosão de fogos (só pode ser um efeito de luz) e de repente entram 15 Harley-Davidson imensas, com motoqueiros tipo Hell’s Angels (eram dos Wild Pigs). Na garupa, as 15 cheer-leaders do Nets. Pelas minhas contas só uma era negra e a grande maioria era loura. Sobem o volume da música e as moças dançam tudo que sabem.
Havia um mascote feito um grande lobo de pelúcia que fazia enterradas e fingia passar mal diante do rebolado das cheer-leaders (estávamos em 1997). E como João me lembrou bem, no interior do ginásio voava-flutuava um mini-dirigível com talvez uns 10 metros de comprimento nas cores e escudo do Nets. Só pra decorar, é claro.
Depois vem a apresentação das equipes, jogador por jogador (e dá-lhe telão). Os jogadores são apresentados como superstars. Aquela noite o nosso Nets enfrentaria Indiana Pacers, um time muito tradicional. E havia algo de especial: era a estréia do lendário Larry Bird como treinador dos Pacers. Quando ele foi anunciado, embora técnico da equipe adversária, foi muitíssimo aplaudido. Se tem uma coisa de que americano gosta é de celebrar seus heróis.
Lembro que nós estávamos torcendo pelos Nets contra o Pacers. Mesmo em casa, o Nets era a zebra. Nós começamos mal, apáticos, vagarosos, com um time desorganizado e individualista. Errávamos arremessos fáceis e até bandejas. Do outro lado havia Reggie Miller, talvez um dos melhores arremessadores de três pontos da história da NBA. Miller se movimentava com facilidade e leveza e atirava com precisão suave, bolas com trajetória harmônica, parábolas perfeitas que acabavam em chuá. Uma aula de estilo, mas também de objetividade. Logo o Indiana meteu mais de 10 pontos de diferença.
No intervalo, nosso técnico colocou o experiente Sherman Douglas para armar e cadenciar o ritmo de jogo, acabando com os arremessos precipitados. A diferença começou a diminuir e o estádio começou a vibrar gritando “Let’s go Nets”. Fizemos amizade com um imenso negro jamaicano sentado atrás da gente e viramos uma mini-torcida organizada. Nossa animação era crescente à medida em que o Nets ia alcançando o Indiana e quase rolamos lá de cima quando viramos o placar em cima deles.
Faltando 30 segundos ganhávamos de 5 pontos. Reggie Miller decide atirar uma bola de 3 lá do Missouri e acerta, com direito à bola bater na tabela antes. Nossa vantagem caíra para 2 pontos. Faltando 0,4 segundos, Rik Smits, o excelente pivô do Indiana recebe falta. Erra o primeiro lance. Larry Bird pede tempo. Só havia uma coisa a fazer: errar propositalmente o arremesso e tentar fazer a cesta no rebote. Rik Smits faz tudo certo, o melhor, chuta errado propositalmente. Mas o truque não dá certo. Vitória dos Nets.
Subo uma fileira para dar um abraço no meu amigo jamaicano, que torcera como ninguém, gritando e acreditando sem parar. Dançamos, gritamos, batemos com as duas mãos espalmadas, foi uma coreografia completa para celebrar.
E assim foi nossa noite waltdisneyana de esporte-show. Como tudo nos Estados Unidos, foi marcada pelo excesso, pela abundância de recursos e até por um exagero kitsch.
Mas a primeira vez a gente nunca esquece.