A RESPOSTA DE BOB DYLAN
Foi uma paixão que começou na adolescência. Ainda lembro da loja em Ipanema em que comprei aquele LP (procurem no Wikipedia) de capa azul: “Bob Dylan’s – Greatest Hits” com ele tocando gaita, cabelos encaracolados iluminados na contra-luz. O disco não parou de tocar, sendo sempre saudado por papai e seu humor peculiar:
– Lá vem o fanho!
Como não havia internet, o jeito foi comprar uma biografia, para aprender que ele fugira de casa, cansado de agir como cobrador de prestações de um pai que tinha uma loja de móveis em Duluth, Minnesota. Na estrada, dizia que o nariz adunco era derivado de ascendência sioux. Depois o encontro com o ídolo do folk, Woody Guthrie, o sucesso e as músicas que passaram a simbolizar a década de 60 e o protesto contra o establishment. Havia muita coisa para um adolescente revoltado se identificar.
Por isso, muitos anos depois, quando Dylan veio ao Brasil pela primeira vez, lá estava eu. Era um festival organizado por uma companhia de cigarros, no tempo em que ainda se podia fazer propaganda desse veneno. Devia haver umas 30 mil pessoas no Sambódromo. O público era bem jovem e como todo público queria ouvir os maiores sucessos e pronto.
Dylan e sua banda estavam fazendo exatamente isso. Tocando os maiores sucessos. Mas em arranjos absolutamente originais, alguns praticamente irreconhecíveis, não fosse eu um aficionado. Achei ótimo. Fiquei imaginando um artista sendo obrigado a tocar a mesma música do mesmo jeito por mais de vinte, trinta anos. Uma espécie de trabalho de Sísifo musical.
É claro que o público não gostou. Na verdade, detestou. Vejam só a heresia: até ensaiaram uma pequena vaia. Dylan, que não interage de forma alguma com a plateia, passando o show todo em uma espécie de transe, parecia não ter percebido nada. Mas Dylan é sempre inesperado.
Em resposta à malcriação daquela gente ingrata, ele e a banda começaram a tocar Rainy Day Woman # 12 and # 35. A letra é ironia pura. Diz que você é apedrejado (stoned) por tudo: por tentar ser bom, quando tenta ir pra casa, quando chega lá, quando está andando na rua, quando está na mesa do café, quando está tentando fazer um dinheirinho e até quando você estiver a caminho da sepultura … E aí vem o refrão de sentido dúbio:
“Everybody must get stoned”
Significa, ao mesmo tempo, que “todos devem ser apedrejados” e também “todo mundo deve ficar doidão”. Na minha opinião os sentidos se entrelaçam. Já que todo mundo vive criticando e tacando pedra em todo mundo por qualquer coisa, não importa o que o outro esteja fazendo ou deixando de fazer, o melhor era todo mundo ficar doidão… Quem sabe se relaxados iríamos parar de chatear e perseguir uns aos outros.
Lá no final da música há até um verso que explicitamente respondia ao público que nada entendia:
“Eles vão te apedrejar quando você estiver tocando sua guitarra”
Bob, acho até que eles tentaram, mas Dylan é sempre Dylan.