ALMOÇO CAPRICHADO
Papai adorava aprontar uma surpresa. Daquela vez ele se superou. Ele trabalhava na Universidade Rural, primeiramente como professor e depois como médico veterinário no Hospital Veterinário de lá. Certa vez, quando eu estava no CPOR, avisei a ele que o nosso acampamento seria perto da Rural, em tal e tal lugar de Seropédica. Papai ia para lá há décadas, desde que fizera a graduação. Para mim, era só uma curiosidade e comuniquei a ele sem ter nada em mente. Afinal, eu estaria em um acampamento do Exército.
Os primeiros acampamentos, ainda no curso básico, antes da escolha das armas, foram terríveis. Para o primeiro, saímos de uma hora para outra, assim que o “bom tempo” se confirmou: quatro dias de chuva em Gericinó. Fizemos uma inesquecível marcha noturna de 20 quilômetros enfiando os coturnos na lama com vontade. Quando voltei para casa meus pés eram uma espécie de estudo para a Paixão de Cristo. Houve muitas outras “brincadeiras”, sempre destinadas a forjar a rudeza que diziam ser necessária a um militar.
Depois que terminava o curso básico, você podia escolher sua arma ou serviço, de acordo com sua colocação. Podia ser a continuação da rudeza, a pé (Infantaria) ou a cavalo (Cavalaria), ou então algo que envolvesse um pouco mais de cérebro e matemática, como Artilharia e Engenharia. E por fim, se você tivesse muito boa nota, poderia escolher a Intendência, que nem mesmo é uma arma, é chamada de serviço. Era, sem dúvida, o curso menos militar de todos. Estávamos, na verdade, sendo preparados para sermos administradores, encarregados da logística em todas as suas dimensões, desde o rancho até as munições.
Os intendentes sofriam com dois estereótipos. Por não sermos tão militares, éramos chamados de “mocinhas da Intendência” e nossos colegas de armas viviam a perguntar se tínhamos aulas de corte e costura. Nem ligávamos, estávamos felizes de escapar um pouquinho da disciplina militar mais rígida. Outra fama, que não nos cabia, pois éramos apenas alunos, era de que os intendentes eram ladrões, afinal lidavam o tempo todo com os recursos. Não eram apontados exemplos concretos, era só uma suspeita que sempre pesa sobre quem mexe com dinheiro.
Sendo assim, os acampamentos da Intendência eram relativamente tranquilos, eram exercícios, tão somente isso. Nosso grupo era bastante unido, não havia maiores problemas. Um dia, pouco depois do almoço, um oficial me chama. Geralmente não era coisa boa e eu fiquei preocupado. Nada disso. Era meu pai. Isso mesmo. Sabe-se lá como, ele havia não somente conseguido permissão para entrar no acampamento e vir falar comigo. Isso já seria surpreendente. Mas não ficou por aí. Lembrando das minhas preferências da adolescência, Papai trouxe para mim um lanche completo: Big Mac, Batata Frita Grande e Coca-Cola.
Eu já havia almoçado, bastante bem como de costume, mesmo sendo a gororoba do acampamento. Os exercícios davam fome. Mas aquele lanche, naquele lugar, naquela hora, foi uma das comidas mais gostosas da minha vida. Claro que os meus colegas perturbaram demais. Eu não quis nem saber:
– Podem falar o que quiserem, filhinho-de-papai, blá-blá-blá. Eu só sei que vou comer isso tudo aqui e não vou dar nem uma batatinha frita.
Dei sorte, não sei como não ganhei o apelido de Batatinha Frita …