ARRASTÃO EM FLORIPA
Calma, brasileiros em geral e cariocas em especial. É arrastão de peixe, já explico.
A viagem estava maravilhosa. Ele e ela estavam encantados com a ilha de Santa Catarina e estavam levando uma vida de apaixonados: o céu era mais azul, os pássaros decerto cantavam para eles e as ondas do mar só existiam para lamber seus pés. Além disso a comida era ótima e estavam em um cantinho especial de Floripa, onde há mar e montanha, mistura de zona rural com os confortos da civilização.
Claro que também davam seus passeios. Naquele dia tinham decidido ir à Ilha do Campeche, onde além de uma bela praia há inscrições rupestres pré-históricas. Sabe como é, uma vez historiador… A ida foi em um barquinho a motor, em dez minutos, sem maiores problemas. Lá chegando, a ilha era linda mesmo. Só que naquele momento a visita aos sítios arqueológicos estava temporariamente suspensa. Tudo bem. Sentaram debaixo de uma árvore com uma generosa sombra e ficaram por ali mesmo. Divertiram-se um bocado com um gambá que tentava roubar suas coisas. Apaixonado acha graça em tudo e mais alguma coisa.
Chegou a hora de voltarem. Pegaram de novo o barquinho. Desta vez havia vento contra e as ondas batiam, respingando água dentro do barco. Além deles, havia um casal de japoneses com a filha. A mãe e a moça ficaram em um ponto protegido, para não se molharem. O pai, sabe-se lá por que, ficou do outro lado, tomando onda na cabeça o tempo todo. Mãe e filha se arrebentavam de rir. Mas ele lá permaneceu, feito rocha, não sei se é alguma tradição nipônica ou se ele era tão simplesmente teimoso.
Finalmente chegamos à praia da Armação, de onde saem os barcos. Quase na hora do por do sol, uma perfeição romântica de filme americano. Como se não bastasse, perceberam que a comunidade de pescadores local estava toda na praia, segurando uma enorme rede, que eles estavam prestes a puxar. Isso sim é arrastão, pessoal, uma forma de pescaria. Ele e ela se entreolharam felizes por compartilhar mais aquele momento mágico, quase bíblico, da busca pelo alimento vindo do oceano.
Aprontaram as câmeras dos seus respectivos celulares para registrar, em vídeo, aquele espetáculo. De um lado a outro da praia havia homens de todas as idades, sérios, prestes a puxar a rede. De repente, o chefe da turma ordena:
– É agora!
E todos aqueles homens, sem camisa, desde os mais jovens até os mais velhos mas ainda com braços fortes de pescador, começaram a trazer a rede para a areia, para arrastar os peixes que futuramente estariam no prato. E dá-lhe de puxar, mais e mais, em um tremendo esforço, num lindo trabalho coletivo, solidário. Estavam ganhando o pão, ou melhor, o peixe, com o suor do rosto. Nada mais bonito.
Só que a vida é a vida, não é filme americano. Não veio um só peixe. Nem unzinho. Eles puxaram a rede até o final, vazia, sem nenhum sinal de peixe ou de camarão, lula ou qualquer outra coisa. Nenhum deles falou nada. Ninguém praguejou. Somente recolheram a rede até o final.
Sabe como é carioca, não é? Não sabe? Carioca, adaptando a frase de Nelson Rodrigues, vaia até minuto de silêncio… Pois ali estávamos, eu e ela, dois cariocas, dispostos a aplaudir a tradição dos pescadores de Floripa. Mas como o gol de placa virara gol contra… Nós, que havíamos filmado tudo, queríamos até sentir pena. Mas a verdade é que o anticlímax foi tão grande que a nossa vontade mesmo era de rir. Olhamos marotamente um para o outro e resolvemos ir embora antes que um de nós explodisse numa sonora gargalhada que talvez não fosse bem recebida pela rapaziada.
Arrastão em Floripa.
Só que não.