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As desventuras do Dr. Bonitão

AS DESVENTURAS DO DOUTOR BONITÃO

O melhor emprego que eu já tive na vida foi passar um ano na Inglaterra pesquisando futebol. Escrevi até um livro pra ninguém pensar que fiquei só na arquibancada vendo o pessoal chutar a bola pra lá e pra cá. Os ingleses ficavam sempre admirados quando eu dizia o que estava fazendo e quase sempre vinha a brincadeira: “Posso ser seu assistente?”.        Na verdade, viver no estrangeiro não é assim tão engraçado. Assim que desembarquei, a moça do serviço de imigração olhou para o meu visto acadêmico de um ano – que havia me custado uma fortuna – e decretou:

– Isso é falso!

Eu não disse nada, fiquei só esperando ela ir lá dentro checar. Que ela não me achasse com cara de acadêmico, tudo bem, era até um elogio. Mas será que me achou com cara de Bin Laden? Seria o nariz grande? Voltou e sem um pedido de desculpas, disse secamente que em no máximo uma semana eu tinha que me apresentar à delegacia local para dizer o que estava fazendo na Inglaterra. E assim foi. Outra vez recebi uma ligação gravada dizendo que eu tinha que comparecer ao hospital tal dia e hora. Pensei que fosse brincadeira e não era. Tive que ir lá para eles fazerem o exame de tuberculose. Passei nessa prova também.

Teve também o dia em que fui cercado por vários policiais em frente ao estádio do West Ham sob suspeita de terrorismo, mas isso eu já contei no livro A Rainha de chuteiras (olha o marketing aí, gente!).

Mas havia o lado bom, além do futebol e das livrarias (um dia conto). O serviço de saúde britânico é bem organizado e, na minha experiência, excelente, inclusive por ser gratuito. Fui até uma clínica perto da minha residência e me registrei. Fui designado a um determinado clínico geral, o Dr. Creenshaw. Dali pra frente, qualquer coisa que eu tivesse eu teria que ser atendido primeiramente por ele, para depois, se fosse o caso, ser direcionado a um especialista.

Parêntesis para o Dr. Creenshaw. Um metro e noventa e tal, no início dos 30, louro de olhos azuis, o cara era bonito toda vida. Além disso, muito simpático e profissional. Bom médico, sempre me atendeu com muita cortesia e atenção. Inclusive naquele dia em que mostrei a ele uma espécie de verruga no canto esquerdo da minha testa, mal encoberta pela minha parca cabeleira. Ele foi taxativo:

– Temos que operar e fazer uma biópsia.

Era apenas um pequeno procedimento cirúrgico, explicou ele, que poderia ser realizado no próprio consultório por ele mesmo. Claro que eu fiquei preocupado com a palavra “biópsia”, mas qual era o jeito?

No dia marcado, o Dr. Creenshaw estava acompanhado de uma doutora um pouco mais velha, que ficou numa cadeira ao lado da maca onde eu iria ser operado, apenas para assistir e ajudar no que fosse necessário. O doutor bonitão estava impecável no seu uniforme branco e ao que parece de muito bom humor. Depois dos devidos preparativos, empunhou o bisturi e fez um pequeno corte, suficiente para fazer descer um pequeno filete de sangue vermelho escuro, o meu, por sinal…

Foi aí que ocorreu o inesperado. De pé, com o bisturi em riste na mão direita, sem perder o sorriso, o Dr. Creenshaw vira-se para sua colega e diz:

– Acho que vou desmaiar… Isso não acontece desde um parto que fiz no segundo ano da faculdade…

Ela não perdeu tempo: fez ele sentar na cadeira, não sem antes tirar o perigoso bisturi da mão do médico. Em seguida, foi chamar alguém. Apareceu um doutor bem mais velho, gordinho e muito experiente. Eu havia ficado mais espantado do que nervoso. Mesmo assim, este outro médico ficou brincando para me tranquilizar, dizendo que ficaria uma cicatriz bem máscula no lugar da operação, blá, blá, blá. O fato é que em alguns minutos ele fez o que tinha que ser feito e colheu material para análise.

Não deu nada, mas quando fui saber o resultado na clínica semanas depois não fui recebido pelo Dr. Creenshaw. Quando fui marcar a consulta na recepção a moça me informou:

– O Dr. Creenshaw não trabalha mais aqui.