HISTÓRIAS DO ALVITO
AS DUAS PONTAS DO DIA
Segundo testemunhas, vim ao mundo às seis horas da manhã, infelizmente atrasado (deve ter sido a primeira e última vez) para ver o sol nascer.
Este fato teve duas consequências decisivas. Sou libriano com ascendente em libra, seja lá o que isso signifique (dizem que sou aéreo demais e aceito o elogio). Além disso, sou um ser absolutamente diurno, apaixonado pela luz solar e para quem a noite é apenas um intervalo entre o por do sol e o novo esplendor do astro-rei.
Por isso, as duas pontas do dia são para mim especiais. Não saio da cama, eu salto, quase sempre quando a noite ainda está indo embora. Meu café da manhã é um culto pré-histórico ao deus sol com o auxílio luxuoso de uma cafeteira de pressão. Fico de olho nas primeiras cores que ele pinta no céu e agradeço aos olimpianos pelo meu apartamento receber a abençoada luz da manhã. Essa é a primeira ponta do meu dia.
A segunda ponta ocorre à tardinha, quando sento de lado no sofá a ver o dia se despedir em beleza pela janela. É uma hora boa para reler os contos ou romances que vou trabalhar no início da noite. Há uma certa melancolia no ar. Mas ao mesmo tempo, se o dia foi bom, se usei bem as horas que recebi, aceito com alegria a chegada da escuridão, vendo nela o anúncio de que amanhã haverá um novo dia.
Se os deuses forem bons.