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Bola no céu azul – mais histórias da UFF Rugby

BOLA NO CÉU AZUL – MAIS HISTÓRIAS DA UFF RUGBY

Dorival Caymmi já cantava:

– Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na areia.

A UFF Rugby também: não tínhamos onde jogar, por isso jogávamos na praia. Nossa primeira partida foi na praia de Charitas, contra o Vila Real do nosso querido Nara (Carlos Sigmaringa), que tanto ajudou na formação do nosso time, treinando conosco nos primeiros meses. O primeiro try foi feito por Gustavo Xeroso – não estou autorizado a contar a origem do apelido – , em um belo lance em que ele literalmente voou para além da linha de gol, como era esperado de um Quero-Quero. Naquele jogo eu marquei o meu primeiro e único try, em uma jogada solidária de um companheiro de time que levou a marcação e me passou uma bola onde se lia: “FAZ!”. Fiquei tão feliz de mergulhar na areia segurando a bola quanto um tatuí.

Aproveito este modesto escrito para agradecer também a algumas jogadoras de rugby do Niterói que nos ajudavam a treinar, já que de início éramos poucos. Elas nos apoiavam também nos jogos, nos ensinando e também torcendo. As mulheres estiveram presentes na criação da UFF Rugby e muito me alegra que hoje o clube tenha uma equipe feminina. Aliás, é uma alegria saber que nosso clube continua firme e forte graças a novas gerações de Quero-queros.

Em outro jogo, também na praia, jogávamos contra o poderoso time do Niterói Rugby, um dos times mais tradicionais do Brasil. A bola veio na minha direção pelo alto e eu fiz o que tinha que fazer: saltei, me estiquei todo e agarrei firmemente a bola. Mas assim que coloquei novamente os pés na areia, sofri o impacto de um trem bala nas minhas costelas. Besouro, um encorpado jogador do Niterói, que até já havia sido da seleção brasileira, havia me dado um tackle de manual, bem no centro do corpo, com toda a potência possível. Durante alguns segundos que pareceram intermináveis, eu não consegui respirar, as costelas, comprimidas, tinham pressionado os pulmões. De joelhos, na areia, via o jogo continuar como se fosse um filme em câmera lenta. Até tentei pedir ajuda, mas sem ar não há voz. Aos poucos, consegui respirar novamente, me levantei e continuei na partida. Quando terminou, caminhei resolutamente na direção de Besouro. Dei os parabéns a ele pelo tackle bem dado e citei o fato de eu ter ficado sem ar durante alguns segundos. Ele riu. Acho que ficamos camaradas. O rugby e sua estranha maneira de fazer amigos. Eu não consegui me esquecer do Besouro durante dois ou três meses. É que eu só podia dormir deitado para um lado, do outro as costelas doloridas não deixavam. Da série “Como o rugby influencia sua vida sexual”.

Depois de um tempo finalmente descobrimos uma forma de zoar o  Juan. Um dos nossos forwards chamava-se Kléverson, um talentoso e destemido jogador, amigo inseparável do nosso primeiro pontuador, Gustavo Xeroso. Por ser argentino, Juan falava português com algum sotaque. Nada muito significativo. Mas não conseguia falar Kléverson de forma alguma. Às vezes saía Kleston, em outros momentos, Klaxton e por aí vai. Nós passamos a chamar o Kléverson de Kleston ou Klaxton e o fazíamos a todo o volume e segurando o riso. Acho até que ele deve ter modificado sua certidão de nascimento, porque para nós ele nunca mais foi o Kléverson.

Uma vez o Juan conseguiu que alguns de nós participássemos de um torneio de veteranos em Búzios, um evento muito bacana, super-organizado e com presenças ilustres. Em uma partida havia dois ou três pumas, jogadores que haviam sido da seleção argentina. Era uma honra suprema pisar o mesmo gramado que eles. Pois bem, termina o jogo e o que acontece? Cada um dos pumas se dirige a nós, com um enorme sorriso. Eles nos agradeceram. Nos agradeceram porque é só a presença de todos que torna o jogo possível. Para mim isso é o espírito do rugby. E foi isso que Juan nos ensinou, além de tudo mais.

Ele era um líder desapegado do poder. Nos ensinou que havia uma tradição nos clubes argentinos de premiar, no final do ano, o jogador mais importante para o clube. Veja bem, não é o melhor jogador, não é o maior pontuador, é aquele que mais contribuiu para toda a equipe, para a união e o crescimento do time. Claro que esse jogador era ele. Mas o que ele fez: mexeu os pauzinhos de forma a me eleger. Só porque eu fazia umas reuniões com pizza para congregar a moçada. Ao receber o prêmio eu denunciei a marmelada e afirmei com todas as letras que era ele o merecedor. Ele havia formado um clube com jogadores que meses antes nunca haviam visto uma bola de rugby, mesclados a alguns poucos mas decisivos veteranos.

Outra “jogada” genial do Juan foi a escolha do nosso capitão. Claro que ele mesmo poderia ocupar essa função, mas ele escolheu muito bem. Shinho era um jogador espetacular: habilidoso, rápido, muito astuto, com excelente leitura do jogo. Era muito respeitado por Juan, que sempre esperava que Shinho desse a primeira opinião, fizesse a primeira avaliação. Não havia nenhuma guerra de egos naquele bando de Quero-queros.

Uma das minhas lembranças mais fortes foi do nosso primeiro campeonato, desta vez na Praia de Icaraí. Mais uma vez era uma partida contra o Niterói Rugby. Um belo dia de sol. Vi aquela bola subindo no pano de fundo de um céu azul. Olhei para o outro lado e reparei nos jogadores do Niterói prontos para vir na nossa direção feito uma matilha de rotweilers. Perguntei a mim mesmo, enquanto sentia uma carga de adrenalina equivalente a um choque elétrico:

– Como é que eu vim parar aqui?

Jogar rugby, participar daquele time pioneiro dos Quero-Queros, conviver com aquela rapaziada, foi uma das coisas mais bacanas que vivi até agora.

Na minha memória, aquela bola continua subindo …

 

P.S: Em breve faremos uma reunião de todos os Quero-queros, do time feminino e do masculino. Vou anunciar por aqui.