Histórias do Alvito
CAUSO CINQUENTÃO
Passei minha infância toda morando em apartamento, aquilo que o pessoal chama de soltar pipa no ventilador e jogar bola de gude no tapete. O único espaço que tínhamos era uma garagem sobre pilotis, com aquele chão de cimento lixa que adorava decorar nossos joelhos com cicatrizes. Mesmo sem espaço, tínhamos o principal brinquedo para qualquer criança: outras crianças para brincar com ela.
Éramos uma turminha de pouco mais de uma dúzia e, por volta do início da década de 70, a divisão por gênero era rígida, embora nós nem soubéssemos que ela existia, de tão natural que nos parecia. Havia uma menina que jogava futebol com os meninos, mas era a mais velha da turma toda, acho que era uma espécie de privilégio. Não era mal vista por isso nem tampouco tratada de forma diferente na pelada. Aquilo era encarado como uma espécie de excentricidade ou de exceção que confirmava a regra.
Duas atividades, se não me engano, eram exclusivamente masculinas, sem que houvesse qualquer proibição. A primeira era o futebol de botão, sobre o qual já escrevi uma ou duas histórias. E a outra eram determinados jogos de tabuleiro. Os dois preferidos por nós eram o famoso War e outro, que caiu no esquecimento, chamado Diplomacia.
No War, todo mundo sabe, você tira uma carta de objetivos que te obriga a atacar e a conquistar territórios, enquanto se defende de todos os outros participantes que estão fazendo o mesmo, apenas com objetivos diferentes. Você depende de uma boa estratégia e de sorte nos dados, somente isso.
Já o Diplomacia era muito mais complicado, envolvia planejamento, objetivos, acordos diplomáticos, eventualmente blefe, sem dúvida. Claro que tudo poderia desembocar em conflito, em guerra. Mas, não era aquela carnificina ininterrupta do War, em que todo o tempo você estava falando: lugar X contra lugar Y e lá vai bomba …
Só eu e dois amigos gostávamos de jogar Diplomacia,, o resto da turma só queria saber de War. Diplomacia ainda existe, é claro, mas a maioria das pessoas nunca ouviu falar.
Enquanto isso, meio século depois, War continua na crista da onda…