CONTRADIÇÃO MATINAL OU QUEM LANÇA A GRANADA
Certo dia, despertei de madrugada, feliz da vida por mais um dia que os deuses me concedem e ligo o rádio. A CBN informa, com toda uma aparente objetividade, que mais de 150 “mendigos” são assassinados por ano no Brasil. São queimados, executados com tiros na cabeça, espancados. Mas além da chocante violência “gratuita” de homens contra homens, também me choca a palavra “mendigos”. Aqui talvez a violência simbólica preceda a violência propriamente dita, servindo para justificá-la e reproduzi-la. Por que não chamar estas pessoas de “moradores de rua”, uma expressão descritiva e não estigmatizante como “mendigos”?
É como se a mídia os assassinasse novamente, a cada dia, sem parar.
Poderia dar muitos outros exemplos. Quando convivi com seres humanos que moram em favelas não percebi neles nenhuma substância diferente que autorizasse serem chamados de “favelados”, por isso prefiro chamá-los de moradores de favelas. Do contrário, teria que chamar os moradores do “asfalto” de asfaltados. E continua ininterruptamente o bombardeio simbólico: casa na favela, mesmo sendo de alvenaria, dois andares, terraço, televisão, computador e o escambau, é sempre barraco.
A Guerra de Canudos, em que uma tropa bem armada e preparada para matar visava o extermínio do inimigo que corporificava o fanatismo e o atraso, se repete todos os dias.
E as ordens começam pela construção de um inimigo monstruoso, diferente, atrasado.
O primeiro tiro quem dá é o microfone.
A primeira granada quem lança é o jornal.