O domingo era uma tortura lenta, horas cozinhadas em vapor de tédio. Ao menos até virar adolescente e poder ir ao Maracanã. A força vital de dezenas (às vezes centenas) de milhares de pessoas cantando, pulando, xingando (um ato liberatório segundo Nelson Rodrigues), fazendo úuuu, era uma espécie de antidepressivo gigante quando nem se conhecia a palavra. Sem isso, domingo era o dia em que vovó virava poltrona vendo Silvio Santos e tínhamos que negociar o volume da televisão. A música do Fantástico era um hino fúnebre anunciando que o fim de semana havia terminado. Era apenas o calendário, mas parecia o final dos tempos. Se respirava um mal-estar existencial, de que algo estava fora do lugar, provavelmente você mesmo. Aos quinze anos Deus era uma galáxia distante, uma montanha que havia sido retirada da paisagem e deixara um vazio que nada preenchia. A não ser o contraste do verde do gramado com o exuberante uniforme vermelho e preto rasgando o túnel em meio a uma chuva de papel picado, bandeiras, foguetes e o nosso desespero transformado em alegria, fúria e gols.

Histórias do Alvito21 de outubro de 2019