“Só fui reparar que era a Creuza quando ela já tava lá, no meio do palco, as luzes todas em cima, tinha até começado a cantar. Como eu ia adivinhar, se o locutor anunciou um nome que não era Creuza? Burro, na hora nem me passou pela cabeça, todo artista muda de nome pra ficar mais chique, se bem que, segundo a revista, já tem mãe batizando filho com nome artístico pra não precisar trocar depois de grande. E só quando a Creuza já tava lá no meio do palco e do refrão da música foi que me lembrei da promessa que ela fez uns anos atrás, nem era promessa, era mais um sonho, ‘eu vou ser cantora’, e eu ri, e não podia ter rido, ela me disse depois, quando eu telefonei pro salão de beleza pela décima vez e ela, cansada de mandar a Dirce dizer que tinha morrido e que queria que eu morresse também, pegou o telefone e gritou ‘você não podia ter rido de mim, podia ter falado du-vi-de-o-dó ou sei lá acho que vai ser difícil porque o que mais tem nesse país de merda é cantora de merda, podia falar qualquer coisa, menos rir na minha cara. Eu não devia mesmo ter rido, porque ela não riu naquele dia quando a gente namorava e eu disse que ia ser jogador de futebol, ela ficou séria, ‘se é o que você quer, dou a maior força’, mas eu não fui jogador de futebol, não fui porra nenhuma, e ela agora era cantora, tinha palco, luz azul e tudo.”
“Pleibéqui”, conto de José Rezende Jr., do livro A mulher-gorila e outros demônios
– Conto 17, lido e debatido no encontro 05 do Clube do Conto Bogari em 18 de setembro 2019
– O CLUBE DO CONTO BOGARI retornará na 4a. feira, 5 de fevereiro de 2020