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Histórias do Alvito – A FADINHA DA CAMISA 10

Histórias do Alvito
A FADINHA DA CAMISA 10
Tenho uma fugaz lembrança de quando fui ao Maracanã pela primeira vez, em uma tarde ensolarada de 1967 para ver o meu Flamengo apanhar de quatro a um. Para piorar, o ponta-direita adversário deu um baile nos nossos zagueiros e eu sonhava em ser ponta-direita. Mas não houve nada mais traumático do que ser arrastado pela mão por meu pai antes do término do jogo. Prometi a mim mesmo e tenho cumprido a promessa de nunca ir embora antes do apito final. Já contei isso com mais detalhes aqui mesmo. O que interessa hoje é tentar imaginar como eu teria comemorado aquele nosso golzinho de honra. Teria me lançado de peito aberto para abraçar meu pai? Muito provavelmente. Talvez tenha ficado um pouco assustado e maravilhado com a explosão de alegria da torcida. Não tenho certeza, posso apenas imaginar.
Mais tarde, na adolescência, lembro bem do que fazia: gritava, xingava, saltava abraçado com meus colegas de escola e companheiros de Maraca.
Passada essa fase, quando os amigos já tinham compromissos com família e trabalho, continuei a frequentar o Maracanã para ver meu Flamengo, mesmo sozinho. Também já contei da minha estratégia para fazer uma amizade relâmpago na arquibancada para ter quem abraçar na hora do gol.
Depois veio a época de levar meu filho e em seguida minha filha e de iniciá-los na cultura torcedora por volta dos cinco anos de idade. Os dois adoram o Maracanã. E que delícia era abraçá-los na hora do gol. Embora houvesse que confortá-los na derrota, crianças pequenas ainda não estão acostumadas a isso. Lembro de um jogo com o São Paulo em que perdemos de dois a um e meu filho chorou tanto que todos os torcedores em torno buscaram confortá-lo.
Agora vivo a vida de um 6.1, meu filho é médico, tem muitos compromissos, minha filha entrou no Ensino Médio e tem que estudar cada vez mais. Voltei a frequentar o Maraca sozinho, mas agora já não tenho vontade de abraçar desconhecidos, embora ainda tenha o hábito de conversar e trocar comentários sobre o jogo.
Ontem, todavia, fiz algo inesperado, atravessei mais um portal da minha vida como torcedor. Depois de cada gol, apenas levantei os dois braços em agradecimento, fechei os olhos e me deixei banhar naquela energia maravilhosa de um estádio em festa. Me senti revigorado ao esquecer de mim e me fundir no todo. Um ritual de purificação. Repetido sete vezes.
Na descida da rampa, espremido em meio a uma massa torcedora que parecia um único ser multiforme cantando sem parar, vi a cena que confirmou estarmos vivendo uma noite mágica. Uma menina bem pequena nos ombros do seu papaimóvel, movia os bracinhos no ritmo das canções.
Era a fadinha da camisa 10 a reger a nossa alegria.