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Histórias do Alvito – A HISTÓRIA DO MARCADOR DE LIVROS

Histórias do Alvito
A HISTÓRIA DO MARCADOR DE LIVROS
Não sei quantas vezes já ouvi dizer que o cachorro é o melhor amigo do homem. Uma afirmação absurda. É óbvio que o melhor amigo do homem (e da mulher também) é o marcador de livros. Imagine só: você está lendo um romance policial de arrepiar, daqueles que você toma café com ele, vai ao banheiro com ele e só não toma banho com ele porque papel molha. Pois bem, sem marcador de livro à mão, você adota a tática temerária de deixar o livro aberto sobre uma mesa ou outra superfície. Sem querer, você fecha o livro.
E agora? Se você começar a ler mais para frente, vai estragar muitas surpresas, vai dar spoiler para si mesmo. Voltar atrás e reler com fastio aquilo que você já leu e, em se tratando de um policial não tem a menor graça? Se você tivesse usado um marcador de livros… Tá bom, pode não ser o melhor amigo do homem e da mulher, mas decerto é o melhor amigo dos leitores. Afinal, por mais esperto e ensinado que seja o cachorro, ele nunca vai te avisar: — Você estava para começar o capítulo 17…
É por isso que aqui em casa há livros e marcadores de livros espalhados por toda a parte. Mesmo assim eu não esperava pelo que aconteceu em uma aula sobre Machado de Assis. Era o último dia de debate sobre Memórias póstumas de Brás Cubas. A turma era pequena, mas valente, e soube levantar (e cortar) uma série de questões sobre o livro: o defunto autor e a narrativa em primeira pessoa, a escravidão, a posição social da mulher e o adultério, a classe dominante, a política… Eu estava absolutamente encantado com a qualidade do debate e das contribuições da turma, era uma daquelas horas mágicas em que o professor pensa: — Que maravilha, não precisam mais de mim…
Foi aí que aconteceu o fato insólito, inusitado, o não-crível. O sublime. Peguei um marcador para não deixar escapar uma passagem que eu ainda queria comentar com a turma. Na frente, a capa de um dos meus livros, As cores de Acari, que foi lançado na sisuda livraria da FGV com uma festa em que havia um conjunto de samba de Acari e muitos acarianos vindos nas duas vans que eu contratei para trazê-los. Até toquei pandeiro (mal, mas no ritmo). Foi um pagode, no sentido original do termo, da melhor qualidade. O que eu mais me lembro nesse dia, e lembro de bastante coisa, foi a alegria dos meus pais. Meu pai ainda inteiro antes do infarto, simpático feito um baiano e minha mãe irradiando vida aos 79 anos.
Não sei por que motivo, virei o marcador e lá estava. A assinatura da minha mãe, com aquela caligrafia elegante que só minha irmã herdou, a data (27/6/2001) e a pequena observação:
“Alegria e satisfação”
Foi difícil não chorar diante da turma. Não que isso tenha algum problema para mim. Mas iria quebrar o clima do debate e para o professor a sua turma tem que vir em primeiro lugar.
Mas juro que era minha mãe se transformando em vento e vindo soprar em mim uma brisa de amor e saudade.
Pode ser uma imagem de canhoto de ingresso e texto
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