Histórias do Alvito
AS MINHAS MENINAS
Deixo a pressa para os jovens. Pudera, o jovem tem seus motivos: sua vida está por fazer, profissão, casamento, filhos, casa, comida, ele anda com todas essas preocupações ao mesmo tempo na cabeça. Por isso aquele olhar aflito, bem perto do desespero, com que ele ou ela te atende na loja. Eu os tranquilizo com minha frase baiana: — Não se preocupe, não tenho pressa. Dá para sentir um pequeno alívio na forma de um suspiro silencioso.
Ora, a literatura não paga as contas de ninguém, a literatura não troca fraldas nem faz compras de supermercado. A literatura não é necessária para se viver, embora seja essencial para entender e aproveitar o que a vida tem a nos dar. Para que a vida seja mais do que ganhar a vida.
O resultado é que na maioria dos cursos da Universidade LIVRE do Alvito o público é majoritariamente de mulheres de meia-idade. Eu as chamo, com muito respeito e carinho de “as minhas meninas”. São mulheres realizadas profissionalmente, algumas ainda em atividade, com formações variadas: psicologia, medicina, serviço social, pedagogia, língua e literatura grega e por aí vai.
Não as chamo de “meninas” à toa. Os cursos podem ser descritos como de Leitura coletiva participativa mediada. Algo muito simples. A cada aula há um determinado número de páginas ou de capítulos a serem debatidos. Cada aluna ou aluno trás uma palavra-chave e explica sua escolha. O professor-mediador, no caso eu, faz comentários, esclarece algum ponto, acrescenta o que for necessário. O debate transcorre naturalmente, a partir dos interesses da turma.
Altamente qualificadas intelectualmente, as meninas se entregam com alegria e muita competência a essa troca livre de ideias. No processo, com esta facilidade tipicamente feminina, vão se transformando em um grupo de amigas. As aulas vão se tornando também um momento de encontro, de troca de afetos.
Eu e o Menino ficamos assistindo, encantados. Ele vive cochichando no meu ouvido:
— Mais velho, parece até que elas estão brincando. Que brincadeira é essa?
— Estão brincando de Proust, de Grande sertão: veredas e de Machado de Assis… em breve brincarão de Cem anos de solidão…
— Os nome são esquisitos, mas devem ser brinquedos de primeira do jeito que elas se divertem.
Imagem: Meninas brincando de Cabra-cega, de Orlando Teruz