Histórias do Alvito
EM BUSCA DA BORBOLETA AZUL
O sonho era amar uma mulher e ter cinco filhas com ela. Seríamos sete, em uma casa quase que totalmente feminina. Para mim, um paraíso. Mas Heitor furou a fila e era um menino. Um menino que já veio com pressa de menino, um bebê que não quis esperar e nasceu um mês antes. Logo encorpou com o leite materno e aos cinco meses já mostrava sua personalidade sociável: sorria para todo mundo no elevador e na rua e não tinha essa de só aceitar o colo de mamãe e papai. Parecia já estar fazendo campanha para vereador.
Já criança, Heitor era o menino mais doce do mundo. Era carinhoso sem ser dengoso ou meloso. Nunca foi difícil para ele dizer eu te amo. A família inteira foi conquistada incondicionalmente. Eu e ele éramos uma coisa à parte. A nossa rádio estava sempre na mesma estação. O levava à toda a parte. À favela de Acari, onde ganhou o apelido de chocolate branco antes mesmo de sair do carro. Ao Maraca ver nosso Flamengo. Ao rugby, ao futebol de botão. Às minhas palestras e aulas na UFF (onde o chamavam de Alvitinho). Pulou carnaval fantasiado de mulher para ficar igual ao pai. Foi ao Quilombo São José conhecer a resistência negra e o Jongo. Coitado, frequentava os ensaios do Raça Ruim…
Ele, por sua vez, também me levava ao campo de futebol mais próximo para bater uma bola com ele. Perdi a conta das vezes em que joguei um contra um (sempre deixando discretamente ele ganhar) debaixo de um sol de meio-dia em pleno verão. A alegria dele compensava tudo.
O menino topava qualquer programa. Uma vez caí no canto da sereia de meu amigo Theou, um ex-aluno. Ele prometeu nos levar em segurança à Pedra da Gávea. E levou. Heitor, então com 8 anos, subiu feito um cabrito, com a ajuda e a orientação do Theou. Até que eu subi direitinho, mas a descida da Carrasqueira foi um filme de terror. E sem poder demonstrar medo, porque o danadinho, já lá embaixo, ficava perguntando:
— Pai, porque tá demorando tanto?
— Tô apreciando a vista…
Uma coisa que nós dois também gostávamos e fazíamos bastante era caminhar nas trilhas de mata que ainda existem no Rio. Nossa preferida era no Horto, pois eu morei no bairro por um tempo. O silêncio, se sentir cercado pela floresta, tendo aquele meu companheiro inseparável ao lado, não havia nada melhor. Quer dizer, até havia. Era quando, ainda por cima, aparecia uma borboleta azul.
Me acostumei a pensar que aquela borboleta azul era um símbolo de felicidade. Enviada pelos deuses para reafirmar o sublime daquele momento. Pois ninguém entende melhor do assunto do que elas. O próprio nome borboleta vem de belbelitta, derivado tão simplesmente de belo.
Borboletas vivem apenas três meses, no máximo. Mas isso não faz sentido para elas, pois não usam relógio e nunca ouviram falar em tempo. Mas a cada instante desfrutam o mundo com seus milhares de olhinhos situados nas asas. Também, depois de todo o trabalho de ser lagarta, devorar loucamente folhas e passar um bom tempo no casulo, a sensação de bater as asinhas e voar deve ser indescritível. Mas elas também não se preocupam em descrever, apenas voam.
Pois como canta Gal Costa em Barato Total, do sábio que atende pelo nome de Gilberto Gil:
“Quando a gente tá contente
Nem pensar que está contente
A gente quer
Nem pensar a gente quer
A gente quer é viver”
Mesmo sem asas e estando longe de sermos azuis, eu e Heitor éramos um par de borboletas.
Por isso, para mim ele não tinha mais nome. Eu só o chamava de amado. E ainda chamo.