Há muitos anos conheci uma senhora nascida no interior de Minas Gerais, em uma região produtora de café. Lembrando-se da sua infância e adolescência nas décadas de 40 e 50, ela me contou que na sua pequena cidade ninguém ficava sem classificação racial (não usou estes termos). Um sujeito chamado João Soldado era considerado a fronteira entre brancos e negros. Todas as pessoas eram enquadradas como aquém (brancas) ou além (negras) do João Soldado. Fiquei pasmado com a utilização desse cânone de carne-e-osso para operar uma distinção que obviamente era considerada essencial. Que ela tinha um componente racista não há a menor dúvida. A mesma senhora, vendo algo na televisão, olhou para mim e com a naturalidade de quem internalizou e incorporou valores racistas, afirmou:
— Eles são mesmo diferentes da gente, não é?