/HISTÓRIAS DO ALVITO: Nem te conto: Clube do Conto não é Macdonald’s

HISTÓRIAS DO ALVITO: Nem te conto: Clube do Conto não é Macdonald’s

NEM TE CONTO: CLUBE DO CONTO NÃO É MACDONALDS

Depois de tanto tempo em sala de aula eu já vi muita coisa, mas confesso que nunca havia visto aquilo. Era uma das primeiras aulas do primeiro Clube do Conto, o Clube do Conto de Ipanema. Eu lia um belo conto de Clarice Lispector, “Felicidade clandestina”, que tem como tema exatamente o amor quase carnal à literatura enquanto um mundo a descobrir. É um grupo lindo, só formado por mulheres, quase todas se conhecem, são amigas, cada encontro é uma festa em que bolo e café viram um banquete alegre. Mas no momento em que eu lia aquele conto, uma delas começou a chorar. Procurem em algum manual de Didática para ver se vocês encontram um procedimento padrão nesses casos. Desamparado, apenas olhei para ela, com atenção e o carinho que todo ser humano deve ter para com outro, pois poderia ser eu a chorar. Ela logo explicou, sem interromper as lágrimas:

– Essa frase que está no conto. O grande amor da minha vida, que não está mais aqui, sempre a repetia. Passei todos esses anos querendo saber onde ela estava, em que texto.

E ainda tem gente que acha que literatura não serve pra nada. Não serve mesmo, você não vai fazer nada com ela, mas prepare-se para o que ela pode fazer com você. Cada Clube do Conto é como um organismo próprio, com sua pulsação, seu ritmo. Se o Clube do Conto Ipanema é mais homogêneo, no Clube do Conto da Tijuca há uma professora de Geografia, um professor universitário de Matemática, um radialista, uma especialista em inteligência artificial e uma freira. Sim, uma freira. Uma freira que dedicou boa parte da sua vida a trabalhar com uma população milenarmente agredida, humilhada, desprezada: as prostitutas. Aquilo me tocou. E preparei uma sessão especial só com contos sobre prostituição: a menina pobre que começa a se prostituir para os turistas em “Sundown”, a estudante universitária que o faz para complementar a renda enquanto a bolsa de iniciação científica não sai em “O Tributo”, a mulher que decide trabalhar com strip-tease depois de se cansar de apanhar de um marido ignorante e violento em “Pleibéqui”. Por fim, recortei todas as passagens de Grande Sertão: veredas tratando de Nhorinhá, a prostituta com quem Riobaldo tem um caso de amor, sim, de amor. Além dos textos, pudemos contar com os comentários da freira, que conhece essa realidade muito mais do que todos os componentes do grupo.

Daqui a três dias começa o CLUBE DO CONTO Sampa e também preparei um encontro especial, com alguns textos relacionados especificamente a São Paulo. Não posso contar porque a surpresa é a alma do negócio. Eles e elas que se preparem…

Tudo pode acontecer. Clube do Conto não é Macdonald’s…