Histórias do Alvito – O BUDA DO SEBO
A rua tem nome de um bandeirante do século XVII, algo apropriado para esta cidade selvagem e fascinante que é São Paulo, onde também se podem encontrar diamantes. A loja é tão pequena que se você der três passos distraído não vai perceber um dos sebos mais notáveis desta metrópole com tantos estabelecimentos deste tipo.
A menos de quinhentos metros dali, há um sebo organizado em áreas do conhecimento, etiquetado, com amplo espaço para circular, só falta um café, coisa que não é difícil encontrar em muitas livrarias, sebosas ou não. É um sebo de primeira linha, onde achar o que você procura é facilitado ao máximo. O sebo é tão bacaninha que tem até nome em inglês.
O sebo Sagarana é totalmente diferente. Consiste somente de três fileiras de livros: da esquerda, central e da direita. Elas vão até o final da loja, sem que haja espaço para fazer uma volta. Você retorna por onde você veio. Portanto, há dois corredores. E milhares de livros, empilhados de formas engenhosas a desafiar a lei da gravidade. Quando há um conjunto de livros do mesmo autor, eles são amarrados com aquilo que parece ser barbante de padaria.
Resumindo: é um caos criativo intenso, a impressão que se tem é de estar em um caleidoscópio feito de livros. Depois de alguns minutos, com o seu olhar vasculhando em todas as direções, há que sair da loja e respirar um pouco de ar puro para retomar o mergulho.
Quem não parece sentir essa necessidade é Rogério, o dono. Ele está sempre dentro da livraria, limpando livros, marcando, organizando. E ajudando a clientela a retirar livros que estão debaixo de uma pilha de livros e acima de outra pilha, ou seja: ensanduichados. Ou a encontrar, milagrosamente, o livro que só ele pode saber onde está. Não há uma mesa ou sequer uma cadeira onde ele possa se sentar, tampouco seus clientes.
De traços nitidamente nipônicos, Rogério é minimalista em tudo. Tem sempre um sorriso muito gentil e acolhedor, mas que não se transforma em gargalhada. Observei sua interação com dois clientes.
Veio um homem querendo trocar livros e, como é comum nos homens, parecia estar ansioso e com pressa, como se a troca daqueles livros fosse a coisa mais importante do mundo. Rogério não parou de sorrir, solicitou dois minutos e veio lá de dentro com um livro que levou o outro ao júbilo. A expressão de Rogério permaneceu a mesma.
Depois chegou uma admiradora do sebo e do seu dono. Por não morar em São Paulo, disse não poder ser a mais fiel cliente, mas garantiu ser a maior fã do sebo. Entrou na loja com tanto ímpeto que pensei que fosse bater na parede do fundo. Nossa reportagem apurou que ela mora em um estado distante e quando vem a São Paulo o primeiro lugar que a louca do sebo visita é o Sagarana.
Ela falava alto e dava gritinhos de prazer ao descobrir um dos oito ou nove livros que levou. Mesmo pressentindo que a qualquer momento ela poderia pedi-lo em casamento, ele não se alterou. Nos olhos e na expressão facial, Rogério mantinha o mesmo contentamento feito de calma e paz.
Cheguei à conclusão de que ele é o Buda do sebo.