Histórias do Alvito
O GATINHO E O VULCÃO
O título parece apelativo, mas é rigorosamente exato.
Comecemos com o vulcão.
Ele era professor de História antiga e ninguém poderia ser mais apaixonado pela Grécia. Não tinha carro, mas vendeu um Fiat 147 para ir à terra de Sócrates pela primeira vez. Dois anos depois, recebeu uma bolsa de seis meses, tendo como base a Escola Arqueológica Francesa, com direito a hospedagem e acesso 24h a uma biblioteca de 300 mil volumes.
Mas também aproveitou para viajar um pouco. Foi à Esparta guerreira, a Delfos do oráculo, a Corinto, a Egina, à imponente Micenas e revisitou Creta e o Palácio de Minos. Sem falar em uma breve visita ao Egito com seu amigo catalão, o incomparável Manuel Serrano Espinosa.
Naquele dia, entretanto, estava em Santorini, decerto a mais bela ilha do mar Egeu. Ela hoje tem o formato aproximado de uma meia-lua, pois foi o que restou de uma explosão vulcânica que levou consigo boa parte da ilha e o vulcão, ainda hoje ativo debaixo das águas límpidas. O mais interessante é que a enxurrada de lava se deu, ao contrário de Pompéia, de uma maneira que houve tempo para a fuga dos moradores. Mas a cidade de 1.600 a.C., foi toda preservada. Além disso, Santorini tem um belo teatro do período clássico, em que os atores representavam tendo como pano de fundo o oceano…
Some-se a isso belas praias, charmosas casinhas brancas no alto das colinas, sete aldeias diferentes e Santorini se torna um charme total. Até demais, porque no verão se transforma em uma Búzios grega, com muitos jovens, bebidas, festas e nenhuma paz.
Agora é a vez do gatinho.
Era inverno e a ilha estava praticamente deserta. Ele estava sozinho, em um dia cinzento e com o jeito de que poderia chover a qualquer momento. Decide passear pelas ruas silenciosas até que chega a divisar, uns cinquenta metros abaixo de onde estava, uma pequena praia com barquinhos ancorados. Sem nada a fazer, desce a escadaria, por mera curiosidade.
Era um panorama muito bonito. Diante dele, aquele mar de azul infinito. E o cataclisma havia literalmente recortado a montanha, cujas camadas geológicas apareciam com tanta clareza quanto em um bolo de confeitaria.
Quando terminou de descer, sem que esperasse por isso, se viu cercado por uma nuvem de gatos, mais de trinta, com certeza. E eles não paravam de miar nem se esfregar nele como se estivessem pedindo algo. E estavam mesmo. Aquela gataria toda estava com fome. Devido ao mau tempo, os pescadores tinham resolvido ficar em casa, deixando os felinos literalmente a ver navios (mesmo sem graça, não resisto a um trocadilho).
Quando o viram pensaram decerto que ele fosse o entregador de sardinhas. Desgraçadamente, ele não tinha nem um pacotinho de biscoitos, nem um pedaço de pão. Se bem que haveria uma luta fratricida por qualquer alimento que ele tivesse no bolso. Então ele pôs aos mãos ao alto e tentou dizer que lamentava muito mas não tinha nada a oferecer.
Parece até que os gatos o haviam compreendido, porque começaram todos a debandar. Quer dizer, nem todos. Porque quando ele começou a subir a escadinha, um pouco triste com a situação, viu que atrás dele vinha um gatinho cinzento, pouco mais do que um filhote. O bichinho escalava os degraus com grande dificuldade, mas de forma decidida.
Ele parou e foi até o seu fiel seguidor, era a coisa mais linda do mundo. Fez-lhe um carinho no pelo que arrepiou mais a ele do que ao gato. Ele não tinha casa para onde levar o gatinho, morava em um quarto na Escola Francesa de Arqueologia, onde duvidava que permitissem o ingresso de animais.
Foi obrigado a virar as costas e a retomar a subida, sem olhar para trás.
Até hoje dói.
Não se deve abandonar o que tem tudo para ser um grande amor.
EM MAIO: Lendo Cem anos de solidão (inscrições abertas)