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Histórias do Alvito – O MENINO E EU EM PARIS

Histórias do Alvito
O MENINO E EU EM PARIS
Qualquer ida à padaria para ele já é uma viagem. Vai pela rua de olhos arregalados e me obriga a parar e fazer festinhas em quase todos os cachorros que vê. Sempre quer chegar no aeroporto horas antes porque não aguenta mais esperar. Sua animação chega a ser perigosa. Certa vez, viajamos para os Estados Unidos pouco depois do 11 de setembro. Quando a imensa policial americana decretou com voz taxativa que tínhamos que tirar os sapatos o Menino quase leva a gente para a prisão:
— Vou ganhar uma massagem nos pés?
Não me lembro, todavia, de uma viagem que tenha encantado mais o pestinha do que Paris. Enquanto eu visitava o Louvre e o deslumbrante museu dedicado aos impressionistas, o Menino inventou uma brincadeira que não era em busca do tempo perdido e sim um concurso (com somente ele de juiz) do melhor palmier de Paris. E dá-lhe de percorrer boulangerie atrás de boulangerie. Não me lembro mais qual ganhou, mas devo ter incorporado mais uns quilinhos, com certeza. Até porque ele me obrigava a substituir refeições de verdade por uma baguette cheia de manteiga.
Desde pequeno, muito antes dos 12 anos, a mãe do Menino já o chamava de ratinho, porque ele acordava de madrugada para pilhar a geladeira e roer todo o queijo parmesão que iria ser ralado no dia seguinte. Imaginem quando ele encontrou uma loja só de queijos… Me fez voltar para o Brasil com uma mala abarrotada de queijos de todos os tipos. Não sei como o “perfume” não despertou a sanha dos fiscais da alfândega.
O único museu que fascinou a ele (e a mim também) foi o museu etnográfico. Nossa, o Menino corria de sala em sala para ver máscaras e outros objetos de povos tradicionais. Para tirar ele da sala em que havia uma imensa canoa originária deu um trabalho danado.
Até que ele gostava de ir a um café, pedir alguma coisa, abrir um livro. Mas em cinco minutos já me obrigava a parar de ler para olhar as pessoas que passavam, para poder imaginar o nome e a história de vida daquela senhora ali que usava um cachecol como se fosse um colete salva-vidas. Me disse ter certeza de que ela tinha 72 anos, era viúva, tinha sido contadora de uma grande firma e sua maior paixão, além do cachorrinho com laço na cabeça era saltar de paraquedas. — Saltar de paraquedas, Menino? — Na minha imaginação pode acontecer de tudo…
Ele não queria saber de Torre Eiffel, o negócio do Menino era bater perna pelas ruas. Qualquer rua servia, mas quando ele chegou em Montmartre parecia ter entrado no Paraíso. Pagão de carteirinha, ele, que não liga para igreja, fez questão de subir as escadarias e entrar na Sacré Coeur. Deve ter feito promessa para a voltar a Paris.
Na verdade, tenho que ser justo, o Menino sabe dar valor à beleza. Arrastado por ele em busca do palmier perfeito, não deixei de notar a perfeição das vitrines em que bolos, croissants, pães e doces diversos eram expostos como obras de arte (o que eram de fato). Ele achou a mesma coisa.
Foi aí que nós dois decidimos procurar algo feio, desarmônico, só para não ficarmos com aquela ideia insuportável de que tudo em Paris é belo. Descobri onde havia uma feira livre e lá fomos nós. Ao longe, uma barraca de peixe parecia promissora. Que nada. Na bancada em que os peixes estavam dispostos em uma geometria rigorosa, as fileiras estavam entremeadas de flores. Lindas. O Menino virou pra mim e disse:
— É, mais velho, em Paris até o peixeiro é artista.
EM MAIO: Lendo Cem anos de solidão (inscrições abertas)