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Histórias do Alvito – OS EMBALOS DE SÁBADO À TARDE

Histórias do Alvito
OS EMBALOS DE SÁBADO À TARDE
“Amizade dada é amor” (Guimarães Rosa)
Foi um dos lances mais arriscados de uma vida vivida sem medo das reviravoltas, de um sujeito que podia começar em Atenas e chegar em Acari, agradecendo aos deuses por uma travessia de aprendizagem do que é o ser humano.
Mas largar sua cidade natal, decantada em prosa e verso, apesar dos muitos problemas? Ir viver longe da sua pequena e mui amada família, inclusive dos dois filhos? Mudar-se para o sul do Brasil, para uma cidade de colonização alemã, logo ele, filho de baiano? Só que ele foi em busca da vereda do grande amor e ele sempre fez tudo por amor.
Mas o grande amor faltou ao encontro … Aí ele se viu que nem David Bowie naquele filme: um estranho numa terra estranha. Não pode reclamar, até que foi bem tratado, apesar das bandeiras do Brasil por todo lado, vai ver que eram do tempo da Copa do Mundo, sei lá.
Afora a brincadeira, instalou-se em um lar confortável e com um jardinzinho amado. A cidade é de um tamanho humano e em cinco minutos no máximo ele podia ir para qualquer um dos seus lugares preferidos: supermercados, restaurantes, confeitarias e livrarias. E por falar em livraria…
É possível viver sem um grande amor. Mas é impossível viver sem amigos. E foi numa livraria, mais especificamente no Rocinante Sebo, que ele fez seu primeiro amigo. Martin, o dono da livraria, parecia muito sério para seus trinta e poucos anos. Mas é daquelas pessoas que, se não falam tudo o que pensam, só falam o que pensam. E falam olhando nos olhos sem hesitação. Como ele já fora tímido, simpatizou com o professor de História livreiro.
Ao escrever sebo, talvez vocês pensem numa loja empoeirada com livros amontoados por toda a parte. Nada mais longe do Rocinante Sebo, que fica numa linda casa com varanda, desfrutada por cinco gatos e cercada por um quintal cheio de verde com árvores de boa sombra. E sem bandeiras do Brasil, acho que o Martin não gosta de futebol…
O acervo, não vou mentir, não é volumoso, embora esteja tudo muito bem organizado em prateleiras que podemos acessar com facilidade, sem exercícios de contorcionismo. E o melhor é que os livros são muito bem selecionados. Como Martin me explicou naquele tom sempre low profile: — Aqui só tenho os livros que li ou que gostaria de ler. O fato é que comprei verdadeiras preciosidades lá, feito um livro surpreendente chamado Educação Siberiana, mas não é hora de falar nisso.
É hora de falar no papel do Rocinante Sebo como centro cultural, como espaço de resistência. Lá ocorrem debates incríveis, como o que aconteceu semanas atrás, em que um professor de São Paulo fez comparações acerca do Diabo em Dostoiévski e Guimarães Rosa. Semana que vem será lançado lá um livro sobre o anarquismo em Santa Catarina, um título que atualmente parece de ficção científica.
E tem mais, o Martin é casado com a Flávia, psicóloga e professora de psicologia na universidade sem nenhuma soberba, adorada por seus alunos e alunos que comparecem em massa aos eventos da Rocinante (Martin, me perdoe a intimidade). E a Flávia, instigada pelo Martin, também virou minha amiga. Que riqueza, que alegria!
Mas não parou por aí, eles me apresentaram dois cariocas que muito antes de mim se desgarraram da maravilhosa para vir morar em plagas blumenauenses. Hugo e Isabel são outro casal Iso-9000. Feito Martin e Flávia, ele é mais tímido mas com um sorriso mais verdadeiro do que o aquecimento global. Isabel é um furacão de alegria, da mesma forma que Flávia é uma brisa de gentileza.
De repente, eu tinha quatro amigos. E, para melhorar, naquele sábado aconteceu o famoso embalo de sábado à tarde. Um piquenique no jardim, com show de mpb que começou com forró, passou para músicas das compositoras locais e terminou em uma boa roda de samba, porque aqui também tem.
Como se diz em Acari, eu estava feliz feito pinto no lixo. O Menino pintou e bordou. Foi uma festa bonita demais. Livros, música, amigos, boa comida … para todo o lado em que olhava via gente feliz, comecei a achar o grande amor meio superestimado…
O melhor vem agora: a festança se estendeu para a tarde de domingo. Flávia convidou para o almoço. Isabel trouxe um risoto de frango, eu levei minha salada Alvito e chocolates para o café. Martin serviu um belo vinho.
E ficamos horas e horas conversando naquele método que era usado antigamente: sentamos em dois sofás e uma poltrona, no meio uma mesa com comidas e bebidas. Uma conversa absolutamente sem rumo, deliciosa, aquele jogar conversa fora que reafirma que o mais importante para os amigos é estarem juntos.
Quando eu já estava quase indo para casa, Martin anuncia, com aquela solenidade tão simpática que só ele tem, que gostaria que eu fizesse uma palestra sobre Cem Anos de Solidão nessa livraria que para mim é uma casa feita sob medida para o meu ser, o meu estar e o meu viver. É muita coisa boa para um dia só, mas eu aceito e humildemente agradeço aos deuses.
Logo depois fui para casa escrever isso aqui para colocar para fora alguma felicidade, porque ela está transbordando e ameaça inundar a minha alma.
Martin, você foi o começo de tudo, é uma grande honra ser seu amigo.
Flávia, a rapadura é doce, mas não é mole não.
Hugo, você bem que poderia emprestar um bocadinho da sua bondade para esse mundo cão.
Isabel, foi pela ordem de conhecimento, não fica chateada, pelo menos você não veio em segundo lugar. Brincadeira, querida, sua alegria poderosa encanta toda a gangue dos cinco rs.
Fui dormir pensando: hoje eu não preciso sonhar.
EM MAIO: LENDO Cem anos de solidão
P.S: O papo sobre García Márquez será no dia 13 de maio, totalmente presencial, mas vamos gravar e colocar aqui e no Youtube.