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Histórias do Alvito – PAPAI E A CAIXA DE FÓSFOROS

Histórias do Alvito
PAPAI E A CAIXA DE FÓSFOROS
Papai era um baiano singular. Ao menos se comparado ao estereótipo habitual. Era mais silencioso do que falante, embora não resistisse a discursar em aniversários e eventos em geral. No dia a dia, era mais para dentro, mas tinha seus momentos espalhafatosos, surpreendentes por surgirem de repente, de forma inesperada diante da calma habitual.
Certa vez, em Atenas, onde eu estava fazendo uma pesquisa, ele e mamãe viajaram até a Grécia. Fomos visitar um desses maravilhosos teatros antigos em que as arquibancadas ficam acima do palco, um semi-círculo que os gregos chamavam de orchestra. Pois bem. Do nada, papai desce rapidamente os degraus, adentra o palco e começa a fazer uma coreografia, além de caras e bocas, como se fosse um ator do tempo de Péricles. Segurando o riso, corri para tirar uma foto inesquecível. De uma maneira lúdica, ele apontava o peso, a importância daquele local histórico.
Papai não tinha dedos longos e sim mais largos, arredondados. Sua mão era mais Portinari que Modigliani. Às vezes, sentados à mesa, esperando os pratos em um restaurante, ele se punha a batucar ferozmente, com prazer. Como eu nunca vi ninguém batucar, pois o fazia com os dez dedos, uma mini-orquestra de ritmos. Não cantarolava nenhuma música, era batuque puro.
Não era para nos impressionar, ele olhava para o alto ou para o lado. Batucava para si mesmo, provavelmente para espantar o tédio. Logo parava e eu tinha vontade de pedir para ele continuar, mas sabia ser em vão. Aquele batuque era espontâneo e não há como solicitar a um raio que caia duas vezes no mesmo lugar.
Usando uma das palavras mágicas dele, aquele batuque era uma bossa própria, para uso pessoal e intransferível, não visava mostrar nada a ninguém, uma pequena alegria pela alegria, sem objetivo, sem narcisismo ou exibicionismo.
Um dos músicos que papai mais louvava, sorrindo ao mencionar seu nome, era Ciro Monteiro, mestre do batuque na caixa de fósforos. Nada mais despretensioso, nada mais minimalista.
Na reta final, mesmo depois de três infartos, quando somente metade do seu coração funcionava, papai era capaz de bater um tamborim de forma milimetrica, preciso no ritmo.
Papai era admirador da arte de fazer mais com menos.
Foto: Ciro Monteiro e ela: a caixinha de fósforos.