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Histórias do Alvito – SEIS PONTO DOIS

Histórias do Alvito  
SEIS PONTO DOIS
O difícil de ter 62 anos não é ter 62 anos e sim convencer as pessoas que os 62 não te tem, que os anos não são donos de ti, não te possuem, não te definem.
As pessoas me encontram e ao invés de perguntarem o que estou fazendo (e estou fazendo muita coisa), logo indagam somente:
— Você já está aposentado?
Preferia que me perguntassem:
— Você já morreu?
Sem nenhuma soberba: afora correr atrás de uma bola de futebol, agora, neste momento, e não posso garantir o amanhã, pois isto é a vida, sou melhor do que a minha versão aos 20, 30, 40 e 50 em tudo. Sou um pai melhor, um professor melhor e, se me permitem, um namorado bem melhor.
Juro pelos meus cabelos brancos.
Com menos força, é verdade, mais devagar, pois deixo a pressa aos jovens. Mas com mais jeito, com mais consciência e até com mais alegria. Com o carinho pelo que a vida já me deu, agora que a despedida se torna mais próxima a cada dia.
Tenho uma turma de leitura de Grande sertão: veredas composta em sua maioria por senhoras que têm em torno de 80 anos. É um grupo notável, a cada semana interpretando com inteligência, sensibilidade e a experiência de quem muito viveu. A mim, como professor, basta apresentar as questões e escutá-las, o que é sempre um prazer. Percebo nelas, além da vivacidade, uma vontade de serem ouvidas.
E elas, no esplendor intelectual e existencial do oito ponto zero, têm muito a dizer.
P.S: Sim, pode ser tomado como uma afirmação narcisista, mas é, na verdade, um protesto contra o etarismo, que pode não ter o charme espetacular de outras lutas identitárias, mas deveria ser reconhecido pois o envelhecimento da população brasileira bate à porta.
PPS: Não é o meu aniversário (só daqui a 6 meses), somente uma reflexão sobre como me sinto aos 62 anos.