/HISTÓRIAS DO ALVITO – SEM DESTINO

HISTÓRIAS DO ALVITO – SEM DESTINO

SEM DESTINO

A cena final de Easy Rider. Um par de motoqueiros cruza a América ao som de Bob Dylan (It’s alright, Ma, I am only bleeding). Dois caipiras numa caminhonete resolvem se divertir caçando doidões, o que lembra versos da música: “falam com inveja dos que são livres”. Abatem o primeiro cabeludo derrubando-o da moto ainda vivo. O segundo explode em fogo junto com sua moto depois de serem atingidos por um tiro de escopeta. Era um aviso de que o sonho havia acabado em 1969. A década de 60 não foi embora de morte natural, apenas pelo passar do tempo, ela foi assassinada. Mas sobrevive eterna porque foi um suspiro por liberdade. Nasci em 1960,  tarde demais,  era apenas uma criança quando do movimento hippie ou de maio de 68. Apesar disso, parece que acabei respirando algum vapor proibido daqueles tempos.

A manifestação mais forte é o desejo de vagar livremente, pegar a estrada e sumir no mundo em um road movie sem roteiro. Quando viajo de carro e desfruto do milagre de uma estrada vazia, minha alma vira uma pipa colorida bem alto no céu. Aqui o rock’n’roll é a única trilha sonora recomendada, pra frente, pro infinito. Como isso é raro, às vezes consigo uma ondinha dirigindo na cidade mesmo, quando é muito tarde ou muito cedo e as ruas se abrem para o sonho.

Naquele dia foi assim. Voltava tarde de uma aula que havia se prolongado por conta de um debate aceso. Resolvi fazer o caminho mais bonito, passando por Copa, pela praia. Não sei quando sintonizei minhas profundezas. Sei que lembrei dela. E da saudade que havia se tornado uma segunda pele. Nessa hora de solidão, tudo conversa conosco. Multiplicam-se os sinais, parece que o universo fala. Eu havia deixado o rádio ligado numa estação qualquer. Pelo adiantado da hora, acho que era um programa de flashback, cheio de músicas românticas. Mas a minha segunda pele estava em flor, primavera em que o ridículo se torna sublime. E aqueles versos tão simples eram uma mensagem em código sobre o nosso amor. Que só poderia ser decifrada frente a frente, se um dia pudéssemos partir juntos rasgando uma estrada vazia, sem rumo e sem destino.