Histórias do Alvito
TE CUIDA, ZECA PAGODINHO
Para Gelta Xavier e todos aqueles que lutaram e lutam pela Universidade pública
Tem gente que não lembra, mas o governo FHC (1994-2002) tratou as universidades públicas a pão bolorento e água da CEDAE. Corte de verbas, professores e funcionários oito anos sem aumento e congelamento total de novas contratações. Enquanto isso, Paulo Renato, o ministro-viagra, dava todo o estímulo ao crescimento de fábricas de diplomas chamando conglomerados de negócios de universidades.
Por conta disso, houve greves e mais greves, logo acusadas, pela turma chapa-branca, de destruírem a universidade, quando estavam fazendo exatamente o contrário. Naquele momento, a universidade já estava sendo corrompida por dentro, com a implantação da feroz lógica do produtivismo e com o privilegiamento da pós em detrimento da graduação.
Percebendo isso, a estudantada mergulhou de coração e alma na greve de 2001. A universidade do lado de lá da baía foi de fato ocupada. Havia debates, aulas públicas, dentro e fora dos muros da universidade. E muitas manifestações na rua com espírito lúdico, porque lutar com prazer é mais gostoso. Os estudantes literalmente acamparam na universidade em um mar de barracas que lembrava Woodstock e o copiava em alguns sentidos. Foi uma manifestação concreta e carnal contra a caretice da universidade.
Fizemos até alguns pagodes à sombra dos pilotis. Como eu tinha meu pandeiro e já tinha sido o vocalista do saudoso grupo Raça Ruim (essa história eu já contei), fui escalado para participar. Como eu vivia repetindo: o pandeiro é uma arma revolucionária.
O episódio que vou contar aconteceu nesse contexto de luta. Voltando para casa de barca, ouvi dos alunos uma história inacreditável. Um grupo de estudantes havia ocupado a reitoria. Quando adentraram no gabinete do “magnífico” reitor, não acreditaram. Havia uma garrafa de vinho no frigobar (bebendo durante o expediente, magnífico?). Vasculhando o computador, descobriram que sua excelência gostava de entrar no site da Playboy. Decerto para ler as entrevistas. Para coroar o espanto, o toalete estava equipado com uma banheira cor-de-rosa.
Este último item não pode ser colocado na conta do magnífico. Acontece que a reitoria da universidade em questão fora, em tempos idos, o Cassino Icaraí. Como bom cassino, havia um hotel e uma suíte presidencial… daí o coloridíssimo equipamento sanitário.
Mesmo assim, era uma história e tanto e eu comentei com os alunos que isso merecia um samba. É claro que me desafiaram a fazê-lo, só para brincar comigo. Não sabiam com quem estavam mexendo. No dia seguinte apareci no front da greve com um pagodinho de escracho, feito sob medida para ridicularizar, merecidamente, o magnífico. É fraco, é ruim, mas é meu, por isso cito:
O PAGODE DO REITOR
Companheiros, me escutem, por favor.
Eu vou cantar o pagode do reitor.
Tem gabinete, com banheira cor de rosa.
Deitado, lendo Playboy.
Ah! Que coisa mais gostosa!
Tem vinho, cafezinho e outras mordomias.
Assim, eu vou querer morar na reitoria.
O inesperado também ocorre. O pagode do reitor caiu na boca dos estudantes e até dos professores. Virou um hino de resistência. Era batucado pelos alunos como introdução antes de falarem de seus problemas, como a moradia, por exemplo. Foi cantado por professores que iam realizar atos de protesto em Brasília. Nos atos de rua também se ouviu o Pagode do Reitor. Havia até uma coreografia para acompanhar o trecho “deitado lendo Playboy”…
Dos três ou quatro sambas que fiz, esse foi o único que se transformou em um sucesso de público, logo ele, uma canção de protesto.
Mas, ao contrário do que diz o apelativo título desta crônica, o Zeca Pagodinho não precisa se preocupar.
Enquanto artista, eu sou o compositor de um samba só.