Histórias do Alvito – TIPO ASSIM…
Eu havia dormido apenas duas horas naquela noite, por bons motivos. Calma gente! Me refiro a uma vitória retumbante do rubro-negro. Mesmo sendo por uma boa causa, foi difícil enfrentar seis horas de ônibus até São Paulo. E a promessa de uma viagem cansativa se transformou em desespero da melhor qualidade devido a meus vizinhos do outro lado do corredor.
Aparentemente eram um casal, depois descobri que não, eram companheiros de trabalho. Ele estava encolhido em sua poltrona feito um sapo à beira da lagoa, mas sem coaxar. Quem não parava de falar era ela, em uma voz alta e irritante. Dissecava o comportamento de todos que trabalhavam com eles no hospital, a fulana que diz que está com dor de cabeça para se ausentar e ser medicada, a sicrana que falta sem avisar, a beltrana que fica sentada esperando que os outros trabalhem e por aí afora.
Acontece que toda essa lenga-lenga era pontuada, quase que frase a frase, pela expressão “Tipo assim…”. Ela dizia: — Eu acho que o supervisor deveria fazer alguma coisa, tipo assim… Ou então: — Você acha justo que elas façam isso tudo, tipo assim…
Vou poupá-los, acho que é suficiente “tipo assim…” por hoje. Mas o fato é que muito comum termos vícios de linguagem, palavras que repetimos, com as quais gostamos de iniciar nossa fala muitas vezes. Creio que elas nos dão um tempo a mais para pensar, são uma espécie de muleta (quase que escrevo “tipo assim…” esse negócio é contagioso): Então… Na verdade… Pensando bem…
As três que citei são uma forma branda da doença. Há aquelas que tiram a atenção do ouvinte, são como se um discurso desse um tiro no próprio pé (hoje não estou falando de clichês, de imagens prontas). Por exemplo, o casal de professores que tive na faculdade de jornalismo (que depois interrompi). Ele terminava cada uma, eu disse e repito: cada uma de suas frases era terminada sempre da mesma forma: “— Não é?”. Depois de um tempo, a turma não prestava mais atenção no que ele dizia, só ficava esperando o gongo linguístico: “— Não é?” Poucos dias depois, tivemos aula com a mulher dele. Chegamos à conclusão de que ela sintetizara o pensamento do marido, pois concluía seu raciocínio com a forma abreviada: “— Né?”. Nós não sabíamos se ríamos ou chorávamos, mas o fato é que nem me lembro do nome deles ou de que disciplinas lecionavam. Mas o trauma do Não é? Né? perdura, mais de quarenta anos depois.
Quando releio meus textos visando revisá-los, sempre me surpreendo com a quantidade de repetições de palavras, com o uso frequente de adversativas, adoro um “entretanto” ou um “todavia”. Nas aulas, é mais difícil ter consciência das repetições, talvez meus alunos possam apontar as mais frequentes.
Mas de uma coisa eu tenho certeza: depois da tortura linguística da fatídica viagem, é muito difícil que eu venha a usar a expressão “Tipo assim…”. Não é?