WANDERSON nasceu no Morro da Pedreira. De pequeno montava e desmontava os brinquedos que ele mesmo fazia com os materiais à disposição, os pedaços de cobre e ferro que seu pai catava nas ruas, os caroços de feijão e objetos de cozinha da mãe. Ela já sabia onde procurar a colher de pau que acoplada a um resto de pano podia ter sido transformada em uma vela de navio.
Na escola impressionou o professor de Ciências, não pelo que ele aprendia, mas pelo tanto que queria saber. O professor convenceu os pais a inscreverem Wanderson no sorteio de uma Escola Técnica Federal. Wanderson cursou Eletrônica e foi considerado um dos meninos mais inteligentes da sua turma. Não teve dificuldade em ingressar no curso de Engenharia de uma universidade pública.
WASHINGTON nasceu no Morro da Lagartixa em uma casa sem papel, inclusive o higiênico. O trabalho como empregada doméstica da mãe, suplementado por um bico, só dava para pagar o aluguel do barraco e a alimentação. Livros coloridos, cadernos para desenhar, nada disso existia. Mas o menino, mesmo antes de entrar na escola era louco por papel e lápis e saía catando pela rua, no lixo até.
Vê-lo empunhando um lápis era assistir a um trabalho de criação de mundos. Mundos pesados, duros, violentos. O menino parecia desenhar seus pesadelos. Mas com tal maestria que não era possível negar a eles o estatuto de arte.
Conseguiu uma bolsa em uma escola de informática. Aprendeu a fazer sites bons de se ver e de usar. Ano que vem pensa em abrir uma micro-empresa.
WELLINGTON nasceu no Morro da Providência e foi criado pela avó materna desde os dois anos . Os pais foram mortos pelo tráfico por causa de uma denúncia de que seriam X-9, delatores. A avó era muito religiosa e sofria com aquele menino que não aceitava explicações esfarrapadas e sabia argumentar como se fosse um adulto. E onde ele ia catar aquelas palavras complicadas? Era danadinho de esperto.
A primeira redação que fez na escola deixou a professora de cabelo em pé. Explicava tin-tin por tin-tin a morte dos seus pais, dando uma aula sobre o funcionamento do tráfico. A professora pediu para falar com a avó e aconselhou à senhora que colocasse o menino numa escola pública federal de qualidade. Sabe-se lá como, a avó conseguiu. Hoje ele acabou de passar para o curso de Direito de uma universidade federal.
INFELIZMENTE, estas três histórias, embora existam aos milhares, foram inventadas por mim em homenagem a três rapazes cujos nomes desconheço. Eles estavam de tocaia junto a um ponto de ônibus tentando saltar, estender a mão pela janela e roubar celulares dos passageiros distraídos.
O futuro do Brasil cabe nestas histórias e no que faremos com elas.