Histórias do Alvito
TRÊS TOALHAS COR DE ROSA NO CÉU AZUL
No dia em que fui à Nova Rússia, esse bairro de Blumenau que mais parece uma cidadezinha do interior, tomei banho de rio e reservei um almoço para meio-dia. Com duas horas nas mãos para gastar, resolvi passear pela localidade.
Notei que não havia plantações nem tampouco criação de animais, eram somente pequenos terrenos com casas simples e quintais bem-cuidados. O tempo parecia suspenso. Uma avó terminava de banhar seu netinho numa piscina de plástico, tirando-o da água e embrulhando-o numa toalha como se ele fosse de cristal. Na varanda de uma casa, o marido explicava à mulher, tintin por tintin, como faria o almoço de domingo. Pelo silêncio que se seguiu, ela não parecia estar muito convencida. Detrás de cercas e portões fui saudado por muitos cães como se eu fosse Átila, rei dos hunos, prestes a invadir seus domínios. Mesmo com a manhã bem avançada, os passarinhos não paravam com suas sinfonias silvestres. Mas não se deixavam fotografar de forma alguma. Quase o tempo todo, eu podia ouvir o som calmante do Ribeirão Garcia. O céu estava recoberto de um azul irretocável a dialogar com nuvens brancas. Fui tomado pela rara e inestimável sensação de eudaimonia, como os gregos chamavam o estado em que você e seu daimon interior estão bem sintonizados.
O mais enigmático “acontecimento” sucedeu quando eu passei por uma casa de alvenaria pintada de verde claro,bem juntinho da mata. Desfrutava de um quintal onde havia ilhas de flores, com destaque para rosas enormes. As donas da casa eram duas senhoras de cabelos totalmente brancos, lá pela casa dos setenta anos. Estavam sentadas na varanda, em vestidos de cores claras, sem conversar, ostentando expressões de um tédio sólido e recorrente. Dei-lhes o meu melhor bom dia, que não é tão pouca coisa assim. Como resposta, obtive um resmungo em uníssono e dois olhares que não eram exatamente de boas-vindas.
Xereta profissional, tentei decifrá-las. Percebi um crucifixo daqueles em que Jesus aparece em pessoa cravado na parede externa da casa. Já as imaginei indo à missa todos os domingos, compenetradas, sem muitos pecados para confessar, infelizmente. Não era nem um quadro em preto e branco, a cena delas parecia feita somente de sombras.
Foi quando eu vi, juro que vi. Três toalhas cor de rosa flutuando no varal. Pelo menos no que diz respeito à cor das toalhas elas não abriam mão da sua feminilidade, mesmo que convencional. Se permitiam uma extravagância cromática, que talvez lhes desse uma lembrança do passado, quando eram meninas de cabelos compridos mergulhando nas águas do rio. Quando havia meninos que procuravam sentar perto delas na missa e não passavam o tempo todo olhando para o padre… Agora só lhes restava um varal de memórias…
E como estavam lindas aquelas toalhas cheias de cor neste dia de céu azul.
EM MAIO: Lendo Cem anos de solidão (inscrições abertas)