HISTÓRIAS DO SERTÃO – A REDE DE GUAICUÍ
Uma das paradas mais emocionantes e significativas da nossa viagem foi em Barra de Guaicuí, uma pequena localidade junto ao Rio das Velhas. Em Grande sertão: veredas, Riobaldo e Diadorim vivem seu amor em meio a um sobressalto constante: deslocamentos, batalhas, traições, mortes. Há apenas um breve momento de paz em que podem desfrutar a companhia um do outro com mais calma. São os dois meses que passam no sítio do Guararavacã do Guaicuí. Naquele momento, parecia que a guerra estava ganha: Zé Bebelo, o chefe da tropa do governo encarregada de acabar com o jaguncismo, havia sido preso, julgado e exilado. Sendo assim, Riobaldo e Diadorim ficam à espera de novas ordens, até que a paz é brutalmente rompida pelo assassinato de Joca Ramiro às mãos dos traidores Hermógenes e Ricardão.
A estada na Guararavacã é incomparável, totalmente distinta da rotina guerreira de até então. Ali, à beira do Rio das Velhas, desfruta-se de “bondosos dias”, “todo dia se comia bom peixe novo”, havia “pirão com fartura” e bebia-se “cachaça alta”. Também se caçava e Riobaldo aproveitou para dormir “sestas inteiras”. Podiam-se se ver fileiras de reses caminhando para a beira do rio, refrescando-se na água, visão que acalmava Riobaldo.
É na Guararavacã que Riobaldo tem que enfrentar seus sentimentos por Diadorim. Primeiro ele pega um cavalo e foge, mas é impedido por um “riachim”, um “corguinho” que olha pra ele e diz: – Não… Quando ele acorda, depois de ter sonhado, quando “vira de tudo: vira pedras, vira flor”, vê Diadorim a dois passos dele, vigiando. E aquilo para Riobaldo toma o significado de um decreto, que ele teria que ficar pegado no amigo, junto a ele, para sempre.
É respirando o ar da Guararavacã que Riobaldo aceita saber o que já sabe:
“fiquei sabendo que tostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade.”
E foi ali, naquela espécie de oásis físico e metafísico, que ele conseguiu dizer pela primeira vez para si mesmo: “Diadorim, meu amor…”. Aquilo levou Riobaldo a uma transformação tão grande que ele afirma: “Aquela hora, eu pudesse morrer, não me importava.”
No dia em que estivemos em Barra do Guaicuí, fiz o contrário, fiquei imaginando Riobaldo e Diadorim vivendo ali. Para começar, há as ruínas de uma linda igreja do século XVII que teria sido construída pelo bandeirante Fernão Dias, que veio atrás de esmeraldas, da mesma cor dos olhos de Diadorim, “em que o verde mudava sempre”. O que é espetacular nessa igreja é como uma árvore alta literalmente se entranhou na parede do templo, é algo belíssimo. Como não pensar em Riobaldo e Diadorim, agora Maria Deodorina, casando-se com pouca pompa e muita alegria neste lugar em que até pedra e madeira se entrelaçam.
Vendo as humildes canoas amarradas junto ao Rio das Velhas, pensei nos passeios que os dois podiam dar, com Diadorim apontando os pássaros das margens e brincando com Riobaldo, ao lembrar seu medo de atravessar o São Francisco quando pequeno.
Mas o que realmente não me saiu da cabeça foi a imagem dos dois balançando na rede ao vento, agarradinhos, inseparáveis, alegres e felizes. Está na foto, vocês conseguem ver?