“O disfarce do jesuíta lançou uma sombra sobre a doutrina cristã que me ensinaram, e que me pareceu às vezes uma solene mascarada, uma espécie de cortejo fúnebre. Embora as pessoas tomassem uma expressão séria ou triste, num abrir e fechar de olhos pareciam rir secretamente, sem o menor sinal de aflição. O ‘Senhor Jesus’ se me afigurava, não sei por quê, uma espécie de deus dos mortos-protetor, uma vez que expulsava os demônios da noite, mas em si mesmo temível pois era um cadáver sangrento e sacrificado. Seu amor e sua bondade, incessantemente louvados diante de mim, pareciam-me suspeitos, pois aqueles que me falavam do ‘Bom Senhor Jesus’ eram principalmente pessoas de fraque negro, sapatos reluzentes e que sempre me lembravam os enterros – os colegas de meu pais e oito tios, todos pastores. Eles me infundiram angústia durante muitos anos, sem falar nos padres católicos que apareciam eventualmente e que me lembravam o jesuíta que me apavorara. Esses mesmos jesuítas tinham causado a meu pai temor e irritação. Nos anos que se seguiram, até a minha crisma, esforcei-me penosamente por estabelecer apesar de tudo uma relação positiva com Cristo, tal como esperavam de mim. Mas não conseguia superar a minha desconfiança secreta.”
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