PALPITINHOS DE UM PROFESSOR VIRTUAL APRENDIZ
Daqui a dias completo três meses de magistério virtual. É pouco, muito pouco, mas o menino, animado com a novidade quer falar umas coisinhas. Talvez alguém queira ouvir.
O primeiro e mais importante ponto é que aula virtual funciona muito bem, ou melhor, pode funcionar muito bem, porque é como uma aula qualquer, pode acontecer de tudo. Mas depois de um estranhamento inicial e do estabelecimento de uma rotina dos procedimentos (microfone fechado, uso ou não do chat etc), aulas virtuais podem ser ótimas.
A conexão estabelecida na aula é emocional, é mental, é intelectual e a tecnologia não impede esta sintonia coletiva. De certa forma até facilita, aumenta o face-a-face na sala de aula, o que vemos são rostos, suas expressões e os olhos entregando o ouro do que está acontecendo. O professor ou professora pode medir a temperatura da sua turma sem o menor problema e ir modulando seu tom, alterando sua estratégia, de acordo com o feed-back que a tela fornece.
Isso dito, acho que há diferenças relevantes exigindo adaptações. É importante dizer que minhas turmas são bem pequenas, entre 5 a 15 pessoas no máximo. E que trabalho com cursos de leitura de textos literários, em que não há uma preocupação com a difusão de um conteúdo. São aulas para buscar um prazer ainda maior na leitura, graças ao aprofundamento da sensibilidade literária. Mas, TALVEZ, e não pus a palavra em maiúsculas à toa, os palpitinhos que se seguem possam ajudar a outros professores e professoras, mesmo em situações bem diferentes.
Dei muitas aulas expositivas nos meus primeiros dez anos de magistério. Lecionava História Antiga, uma disciplina duplamente difícil: há uma enorme distância temporal e, além disso, os alunos chegam à universidade com quase nenhum conhecimento anterior desse período histórico. Professores iniciantes estão sempre muito preocupados (ao menos era o meu caso) com a “matéria”. Aos poucos fui descobrindo outras formas de envolver os alunos, sobretudo a análise e o debate de textos. De informador eu passei a tentar ser um formador. Nos meus últimos anos antes da alforria radicalizei essa postura e aboli total e completamente a aula expositiva, embora às vezes fizesse pequenas exposições pontuais necessárias.
Creio que aulas virtuais, mais ainda do que as presenciais, deveriam fugir o máximo possível da exposição. Por experiência própria, percebo que o esforço que fazemos para que possamos nos enquadrar na tela e nos seus procedimentos torna tudo mais cansativo. Trinta minutos de aula virtual são muita coisa. Procuro fazer um intervalo depois de quarenta minutos no máximo. Mas há uma estratégia fundamental para tornar a aula mais leve: a intensificação do rodízio da palavra. Nos meus grupos de leitura, passo um certo número de páginas ou de capítulos por semana e cada um tem que trazer uma palavra-chave ou uma frase para comentar. Logo depois abro o comentário para os colegas e por fim faço um comentário, tentando ser breve (professor demora cinco minutos para falar bom dia). Se todos já falaram no primeiro tempo, crio uma outra dinâmica para o segundo tempo. Quem falou por último, agora é o primeiro a falar. Se surge uma polêmica, estimulo a participação. E ao fim da aula, sobretudo nas primeiras aulas, pergunto como vamos indo, se há sugestões.
Se a questão da dinâmica é um desafio, que existe também (e como) para aulas presenciais, existem outros pontos favoráveis que a aula virtual propicia. Sabem aqueles sintetizadores que fazem som de tudo: ondas do mar, o barulho de um jato, o sopro do vento nas folhas etc? Pois é, de repente, sem necessidade de instalação de uma aparelhagem em sala de aula, você está pilotando o próprio computador com tudo que há de recurso didático dentro dele: esquemas que você preparou para a aula, outros textos, imagens, pequenos filmes, etc, ou seja, você é um verdadeiro maestro de “efeitos especiais” que podem ser indispensáveis ou pelo menos maneiras de dar mais colorido e leveza à aula.
Por exemplo: em julho o Grupo de Leitura AMÉRICA LATINA e ORIENTE vai começar a ler o Mahabharata o poema épico indiano que está na base da religião hindu. Leremos uma versão condensada por um religioso, especialista em textos védicos antigos. Mesmo assim, teremos que caminhar em meio a um emaranhado de histórias (deliciosas) de homens e deuses, suas paixões e vinganças. Sem uma genealogia, isso é impossível. Ora, além da genealogia, posso fornecer mapas, imagens representando as divindades e por aí vai… Sem precisar preparar um Power Point engessando a aula, sem ter que contar com a boa vontade da aparelhagem e de quem a mantém. É quase uma segunda alforria.
Estou até envergonhado de ter dado palpitinhos tão óbvios e rasteiros. Ainda estou tentando organizar meus pensamentos, mas o menino está numa alegria só com o novo brinquedo. Depois de trinta e oito anos de sala de aula, nada como começar de novo.