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PROFESSOR NÃO É SANTO

HISTÓRIAS DO ALVITO

PROFESSOR NÃO É SANTO

Ao contrário do que reza a lenda, professor não é santo. Muito menos um professor menino, levado, que está sempre testando novas ideias e metodologias.

Mesmo apaixonado pela minha profissão e dedicado às aulas e a meus alunos, já cometi deslizes de todos os tipos desde a minha primeira aula na cada vez mais distante 1982 até semana passada em que cometi um erro grave, pelo qual logo me desculpei, muito envergonhado, perante a uma turma que generosamente me perdoou.

Professor tenta tratar seus alunos de forma igual, mas é óbvio que seria mentira dizer que ele não tem suas simpatias, embora essas não devam se transformar em preferências nem em privilégios. Alerta quanto a isso, quando corrigia provas acho que era mais duro com os alunos dos quais gostava, com medo de que os estivesse beneficiando. E ficava de olho para que minha falta de simpatia com alguns não levasse a uma injustiça. De qualquer forma, não sou sabão, nunca consegui ser neutro.

Professor comete erros de conteúdo, que não são graves se ele admitir, de preferência na aula seguinte. Professor sabe muito pouco e muitas vezes só o que ele pode e tem que dizer é que não sabe, mas vai estudar o assunto e tentar trazer uma resposta, isso quando é uma pergunta que permite resposta. Professor deve ficar feliz em aprender com seus alunos, sem medo de ser diminuído por isso. Nesse quesito, se eu fosse escola de samba teria tirado nota dez, adoro aprender.

E agora vem a parte mais difícil desta conversa: o tabu de que professor, sobretudo de História, Sociologia, Literatura, enfim, da área de Humanas, não gosta, não precisa e não liga para dinheiro. Como se professor vivesse em outro mundo (seria bom). O médico, o engenheiro, o arquiteto, não têm nenhum problema em cobrar por seus serviços: em alto e bom som dizem o valor da consulta, da obra, da planta da casa.

Professor de Humanas não. Este é um idealista que quer mudar o mundo e gosta de sofrer, de ganhar pouco, de não falar em dinheiro e não discutir seus honorários. Não importa que muitas vezes esse professor tenha o dobro ou mais de anos de estudo de profissionais de outras áreas. Não importa que tenha mestrado, doutorado, tenha feito estágio pós-doutoral, tenha livros e artigos publicados. Professor é professor, tem que viver de migalhas e achar ótimo, se quer mudar o mundo tem que ser um santo.

Gosto de experiências sociológicas concretas. Até a pandemia eu nunca havia dado um curso por Zoom, dava dois cursos presenciais que foram suspensos. Ofereci então três cursos por Zoom. Achei que neste momento o melhor sistema seria adotar a contribuição voluntária consciente. Muitas pessoas, neste momento, estão impossibilitadas de pagar por um curso deste tipo e até de pagar outras coisas bem mais essenciais. Não seria justo privá-las da aula. Afinal, sempre fui professor da universidade pública, me orgulho de ter dado aula para alunos de todas as classes sociais, sobretudo nos últimos anos, com a instituição do sistema de cotas que apoio totalmente.

A contrapartida seria: aqueles que podem contribuir seriam os responsáveis por dar um mínimo retorno financeiro, falemos a palavra tabu para professores: em dinheiro. Bom, até semana passada nos três cursos, que segundo os alunos funcionavam muito bem, eu tinha 31 alunos. Alguns eu mesmo sabia que não tinham condições de contribuir, nada sei dos restantes. Mas sei que dos 31, 9 contribuíram, ou seja, nem um terço.

Como disse, estou analisando aquilo que Durkheim chamaria de fato social, uma concepção tão difundida e arraigada na sociedade que se impõe com a força de uma coisa nas consciências individuais. No caso, a ideia de que professor é santo e santo vive de brisa, vive de conversa, santo nem sabe o que é dinheiro.

Então, deixa eu repetir: professor não é santo. Professor ama sua profissão, adora receber o reconhecimento de seus alunos e alunas. Mas se quiserem demonstrar carinho com generosas contribuições voluntárias ele ficará muito feliz. Se no mundo capitalista o dinheiro é o símbolo central, achar que não se deve pagar a um professor, ao invés de elevá-lo à santidade, significa avaliar que o seu trabalho é uma perfumaria.

Sei que este texto vai gerar polêmica. Estou tranquilo com minha consciência, a única coisa que me chateia são as contas a pagar…