SE EU FOSSE A MORTE
Seria justa.
Primeiro levaria para casa aqueles que gostam tanto de mim que vivem me promovendo à torto e à direita (sobretudo a direita): os que sugam o sangue de outros humanos com variações da escravidão, os que deveriam ser comandantes do bem estar e sonegam recursos para a saúde e a educação, quando não os desviam para os próprios bolsos. Eles gostam tanto da morte dos outros que seria bom que também experimentassem eles mesmos e lhes daria um tratamento cinco estrelas feito a batida de uma Ferrari no poste ou o naufrágio de um iate luxuoso em pleno Mediterrâneo.
Depois levaria os apressados. Sim, os que dizem que não têm tempo para nada, desprezando o nada como se fosse coisa de menor importância, sem perceber que o nada é a folha em branco, onde se escreve o romance e a poesia da vida. Os que não têm tempo para seu amor muito menos para fazer amor e estão sempre correndo não se sabe para que ou para onde. Cada um com seu cada um, para estes eu desfecharia um fim certeiro e veloz, um infarto fulminante é um clássico nesses casos.
Medalha de bronze para os que vivem reclamando da vida, esquecendo que são eles que a fazem (ao menos em parte), dizem que viver não vale a pena e estão a pensar sempre no passado ou no futuro, esquecendo de olhar para o céu azul ou de sentir o aroma do café que saiu neste instantinho. Merecem passar da vida para os meus braços do jeito que viveram, sem prestar atenção no aqui e agora, sendo atropelados enquanto atravessavam a rua olhando o celular para consultar o tempo do dia seguinte.
Estes são meus campeões, depois haveria muitas categorias ainda valorosas, depois os medianos, os razoáveis e por fim aqueles que eu levo a contragosto só pelo fato de ser uma obrigação contratual e parte da condição humana.
Quem?
Esta categoria comporta uma miscelânea que parece não ter sentido e me deixa sempre um pouco atordoada, afeita que sou à disciplina e ao método (ótimos auxiliares, por sinal). É uma multidão composta pelos apaixonados da forma mais absoluta, pelos amantes que sabem fazer cafuné além de amor, pelos poetas que amam a poesia mais do que a si próprios (número exíguo), pelos que lutam sem ódio por um mundo mais justo (o que seria uma desgraça para mim), pelos que sabem levar um samba no pé, pelos que sabem contar uma história (diferente de contar vantagem), eu ficaria aqui dias e dias a arrolar essa turma que não tem medo de mim mas sempre me leva em consideração e trata de aproveitar cada segundo.
E que raiva me dá quando tenho que levar um deles e ouço o mantra desses desgraçados acompanhado de uma risadinha:
“Chegou atrasada, Morte, agora eu já vivi.”
Marcos Alvito