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A pedagogia do café

A PEDAGOGIA DO CAFÉ

O que fazer? Era uma turma absolutamente maravilhosa. Além do engajamento ativo em sala de aula e da leitura atenta dos textos, eles e elas eram indagadores, criativos e muito inteligentes. Eu me sentia um técnico que tem em suas mãos um time de craques. Eu os elogiava bastante, embora sempre colocando novos desafios, para que não se conformassem. Mas não era suficiente. Tinha que fazer mais alguma coisa.

Naquela noite, mantive a porta da sala trancada e não deixei ninguém entrar antes do horário para não estragar a surpresa. Eles ficaram inquietos do lado de fora esperando. Quando entraram, ficaram boquiabertos. A máquina de café que eu havia comprado nas Lojas Americanas estava a pleno vapor borbulhando o precioso líquido. A mesa do professor, coberta com uma imaculada toalha branca, estava cheia de sanduíches de queijo e presunto em pão de brioche que eu mesmo havia preparado aquela tarde. Depois disso, ficamos combinados assim: eu trazia o café e eles traziam salgados e doces. Comíamos e bebíamos antes da aula começar e no intervalo de dez minutos entre as aulas.

Sempre achei a universidade um ambiente árido, onde a expressão de afetos é travada por algum acordo tácito que impõe sobriedade e austeridade, embora não garanta o respeito. Talvez tenha a ver com a matriz cristã, em que sofrimento e conhecimento andam de mãos dadas. Seja lá como for, por temperamento ou por filosofia, nunca acreditei nisso. Eventualmente cantava um trecho de ópera, tocava pandeiro, contava histórias sempre que podia e fazia sentido e até, quando fiquei mais livre, sambei em sala de aula. Isso não diminuiu o meu respeito pelos alunos nem vice-versa, nem tampouco afetou meu grau de exigência. Apenas tornou a sala de aula mais humana, como acredito que deva ser.

Meus alunos trabalhavam, chegavam em sala depois de horas de transporte. Sei que muitos não tinham tido tempo de fazer um lanche antes de entrar em sala. O café não era café. Era um contra-dom pelo esforço que eles faziam. Afinal, como nos ensina Marcel Mauss: “o que trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se, antes de tudo, de gentilezas”. Aquele breve momento nos irmanava ao compartilharmos uma refeição. E permitia o reforço de vínculos, a comunicação e, por que não, as demonstrações de carinho.

Pode ser que toda esta interpretação esteja errada. Não sei. Sei apenas que ao final do curso esta turma teve um rendimento espetacular. Senti que muitos deles e delas tiveram mais coragem para ousar, para ir além do que pareciam ser seus limites. Talvez por perceberem que ali eles não eram somente “alunos” e sim seres humanos. Homero chamava os homens de “comedores de pão”, para simbolizar nossa mortalidade em contraposição aos deuses olimpianos, que comiam ambrosia e bebiam néctar. Nós, brasileiros, podíamos muito bem ser chamados de “os bebedores de café”. Entre nós ele é o símbolo maior da hospitalidade e do acolhimento.

Quanto ao título deste texto, admito  ser uma provocação. Pois nada entendo de pedagogia, nunca li um manual sequer que dissesse o que eu deveria ou não fazer. Tampouco li livros apresentando teorias acerca do processo de aprendizagem, dinâmicas ou coisa parecida. Sou apenas um professor contando suas experiências.